terça-feira, 30 de abril de 2019

Grandes Filmes Nacionais - Os Famosos E Os Duendes da Morte

De: Esmir Filho. Com Henrique Larré, Tuane Eggers, Ismael Caneppele e Samuel Reginatto. Drama, França / Brasil, 2009, 101 minutos.

Poucas vezes o sentimento de não pertencimento a um determinado lugar foi tão bem retratado como no poético Os Famosos E Os Duendes da Morte, do diretor Esmir Filho. Baseado no livro homônimo de Ismael Caneppele - que também atua - o filme é absurdamente sensorial, funcionando como uma espécie de permanente devaneio de um jovem que deseja sair da pequena cidade de colonização alemã em que mora, no interior do Rio Grande do Sul, para "descobrir" o mundo (o que é simbolizado pela vontade de ir a um show do Bob Dylan). Nesse sentido, a obra faz um afago na juventude que vê a internet como uma espécie de janela para o universo: é nela que se navega e que se foge de um ambiente que parece meio parado no tempo e em que só o que se escuta é o canto dos grilos em meio à noite gelada e as notícias sobre falecimentos, que são destacadas em uma emissora de rádio local.

Aliás, para quem nasceu em uma cidade do interior gaúcho, meu caso, é simplesmente impossível não se identificar com aquilo que se vê. No contraste entre o convite dos avós para uma visita para comer uma galinhada e a casa de madeira pintada em um azul claro pouco definido, um outro lado em que a música, as artes e as redes sociais como Flickr e MSN quebram a barreira geográfica, encurtando distâncias, aproximando pessoas que não se conhecem pessoalmente - e que provavelmente desejariam muito se conhecer. Quem não passou alguma vez por isso morando em Lajeado, Estrela ou, mais ainda, Arroio do Meio, Muçum, Roca Sales ou outra, que atire a primeira pedra. A bergamota pode até ser a fruta oficial do inverno, mas e a vontade de consumir outras variedades? E como se alcança isso, sendo de uma família humilde, com condições modestas, morando em uma gélida cidade dos pampas?


O mundo é muito grande e o protagonista - que nas redes sociais se autointitula Mr. Tambourine Man (Henrique Larré) - mergulha nele postando divagações filosóficas em seu blogue e interagindo com outras pessoas, como a misteriosa Jingle Jangle (Tuane Eggers). Em uma verdadeira coleção de pequenos fragmentos, o filme vai no limite do fantástico para mostrar as interações entre ambos com o misterioso Julian (Caneppele). O clima é onírico e, em muitos casos, a impressão que dá é a de estarmos diante de um sonho - ou de uma espécie de fuga da realidade. Jingle Jangle e Julian aparecem nos campos gaúchos que margeiam a comunidade, como se fossem fantasmagóricas emanações: provocam, sorriem, demonstram medo e paixão, levando o Mr. Tambourine Man para um outro lugar, que não é ali. E a semelhança de Julian com Bob Dylan não é por acaso, já que, aparentemente, ele é a figura a conduzir o protagonista por esse universo sombrio e libertador em igual medida.

Com trilha sonora totalmente orgânica (de Nelo Johann) e fotografia rica, meio granulada, quase envelhecida em alguns momentos (cortesia de Mauro Pinheiro Jr.), a película também é um primor no que diz respeito às imagens que falam por si. Das estrelas vistas no teto do quarto do protagonista (há um universo real lá fora?), a borboleta que se debate até morrer, a obra investe em minúsculas abstrações que, curiosamente, também ampliam uma certa sensação de suspense. Quando Julian reaparece - "esse colono", reclamam os jovens - parece haver algum segredo relacionado ao passado de todos eles, pronto a vir a tona (o que torna esta também uma película de formação). E como esse clima de tensão é ampliado? Com o barulho ostensivo do mecanismo de uma geladeira, que irrompe na madrugada, por exemplo. Experimental, inevitavelmente bucólico e com uma linguagem pouco convencional, Os Famosos E Os Duendes da Morte completa 10 anos sem envelhecer nadinha: ao contrário, com o advento de redes como Instagram, os jovens estão cada vez mais vivendo um universo que não é o deles. E se exaurindo, assim como aqueles que assistimos nessa pequena joia do nosso cinema.

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