domingo, 24 de janeiro de 2016

Picanha.doc - Cartel Land

O tema narcotráfico tem sido debatido incessantemente nos últimos tempos, com inúmeras obras sobre o gênero sendo disponibilizadas ao grande público principalmente no ano que passou. Séries como Breaking Bad ou até a mais recente Narcos, passando pelo excepcional filme Sicario (indicado a 3 Oscars), mostram que o problema segue em uma espiral infinita que está longe de ser solucionada, trazendo uma série de consequências trágicas devido à sua complexidade. Mas nenhuma obra esteve tão no meio da ferida como este estarrecedor documentário Cartel Land (disponível no Netflix).

Indicado ao Oscar 2016 na sua categoria (e um dos favoritos ao prêmio, diga-se de passagem), o filme coloca seus autores literalmente no meio da guerra do narcotráfico no México, bem como suas repercussões na fronteira com os Estados Unidos. Dirigido por Matthew Heineman, o doc concentra-se simultaneamente em duas partes: uma delas acompanhando o veterano militar americano Tim "Nailer" Foley, que tem como propósito de vida patrulhar a fronteira e evitar a entrada de mexicanos ilegais. A outra, seguindo a rotina do médico mexicano José Manuel Mireles, da cidade de Michoacán que, revoltado com o domínio e abuso dos narcotraficantes locais (os sanguinários Cavaleiros Templários), lidera um levante convocando os cidadãos locais a criarem uma milícia armada e combater com as próprias mãos estes "inimigos".


O que mais impressiona aqui é a coragem dos realizadores em acompanhar estas rotinas, mesmo que para isso tivessem que colocar suas próprias vidas em risco. Ao entrevistar membros do cartel logo no início do filme, vemos a dimensão do terror a que estaremos submetidos na sequência - criminosos que, sem perspectiva de futuro, vêem no tráfico de drogas a única maneira de levarem suas vidas, mesmo que para isso tenham que matar ou morrer. Por outro lado, temos a insatisfação de uma população (personificada pelo seu líder, "El doctor" Mireles) desamparada por um governo corrupto que pouco tem a lhes oferecer em relação às suas reivindicações.

Servindo também como estudo de personagens, Cartel Land traça um perfil preciso de seus protagonistas: se em Dr. Mireles temos um cidadão respeitado que com sua revolta acaba por liderar um movimento que ultrapassa a linha da legalidade, de outro temos o americano Tim Foley que, repleto de traumas que levam a uma xenofobia preocupante, lidera o seu grupo em uma guerra solitária contra o "tráfico de drogas" (leia-se: entrada de mexicanos) através da fronteira, uma iniciativa questionável por não ter amparo legal do governo de seu país.

Sem jamais tentar simplificar a situação nem estereotipar seus personagens, ao final do filme temos a certeza que, amparado em um mercado de drogas e armas, sujeitos que agem com as próprias mãos na ausência de um Estado protetor podem a qualquer momento romper a tênue linha que separa o bem do mal - o que torna seus resultados ainda mais trágicos, preocupantes e sem perspectivas de melhora.

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