segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Cine Baú - A Estrada da Vida (La Strada)

De: Federico Fellini. Com Anthony Quinn, Giulietta Masina, Richard Basehart e Aldo Silvani. Drama, Itália, 1954, 104 minutos.

Quando Fellini lançou A Estrada da Vida (La Strada), seu quinto filme na carreira, ele ainda não era assim tão conhecido. Ao menos não como seria mais tarde, após a realização de clássicos arrebatadores como Noites de Cabíria (1957), A Doce Vida (1960), Oito e Meio (1963) e Amarcord (1973) - este último o meu favorito. O que de maneira alguma diminui a importância dessa verdadeira obra-prima que aborda os relacionamentos em tom próximo ao da fábula, com personagens dominados por emoções complexas. A propósito, o legado enquanto diretor que se utiliza de uma orquestração onírica, fantasiosa, com personagens histriônicos ou mesmo circenses - e que contribuíram para que se cunhasse a expressão cinema felliniano - muito se deve ao que se vê na trama de A Estrada da Vida.

O filme inicia em uma comunidade pobre onde uma mãe, desesperada para garantir o sustento de seus rebentos, vende a filha mais velha, Gelsomina (Masina, esposa do diretor), para Zampano (Quinn), um brutamontes que realiza um número em que arrebenta correntes amarradas em seu corpo. A intenção com a compra é fazer com que Gelsomina se torne sua ajudante, o que ocorrerá na base de muito grito, porrada e explosões de fúria. Aos trancos e barrancos, a jovem passa a se apresentar ao lado de Zampano, em números de humor de gosto duvidoso, em que ela interpreta uma espécie de palhaça que, com seus gestos, nos faz lembrar imediatamente de um certo Charles Chaplin. Os dias passam e nada muda na relação entre ambos, com Zampano invariavelmente maltratando Gelsomina.


A coisa muda de figura quando Gelsomina conhece Bobo (Basehart), um acrobata de um circo itinerante que leva a vida de uma forma mais leve - ainda que se arrisque em improváveis números de corda bamba. Evidentemente a jovem terá vontade de fugir com Bobo. Aliás, ela parece ter vontade de fugir o tempo todo - e ofertas para isso não faltam, como quando é convidada pelos integrantes do circo para permanecer com eles ou mesmo durante a estada em um convento de beira de estrada, com as madres e freiras praticamente implorando para que ela ali permaneça. Mas Gelsomina ficará ao lado de Zampano que, incapaz de lidar com seus sentimentos em relação a moça - e mesmo a Bobo, que vive lhe provocando, o que rende as sequências mais divertidas -, tomará atitudes extremas que resultarão em um desfecho ao mesmo tempo poderoso e comovente.

Ainda que o clima circense do filme tenha contribuído para que os críticos o tratassem como um contraposto ao neorrealismo italiano, não deixa de ser curioso o fato de a obra trafegar quase no limite do cinema "documentário" adotado por Rosselini e De Sica, e que tinha como pano de fundo as diferenças sociais, a busca da classe trabalhadora por melhores condições de vida e um certo pessimismo do pós-guerra. O que, de alguma forma, pode ser encontrado na película, ainda que com outro tom. Com A Estrada da Vida, Fellini se tornou conhecido internacionalmente e pavimentou o caminho para outras obras por ele filmadas, que permanecem até hoje no coração de qualquer cinéfilo, como as citadas no início desse texto. O Oscar de Melhor Filme Estrangeiro foi concedido pela primeira vez na história da academia, talvez não por acaso, a essa pequena joia que cresce em tensão a melancolia conforme trafegamos por seus caminhos.



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