quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Lado B Classe A - Arcade Fire (Funeral)

No mês de outubro de 2005 houve, em Porto Alegre, um noite mágica para este jornalista fã de boa música. E para milhares de pessoas que praticamente lotaram o Pepsi On Stage para assistir uma apresentação dos americanos dos Strokes. Não, você não leu errado. Lembro como se fosse hoje: ao lado dos amigos e eternas parcerias Diogo Botti e Rodrigão Macedo, chegamos cedo para acompanhar a exibição dos sempre legais Acústicos e Valvulados. Entre os gaúchos e a banda de fundo havia um outro show previsto: de um grupo canadense chamado Arcade Fire e que pouquíssimo havia ouvido falar. Confesso que, na ocasião, não tinha tido acesso ao som do grupo, que havia lançado seu primeiro trabalho, Funeral, no finalzinho de 2004. Na real, fora aqueles sujeitos mais antenados ao que ocorria no mundo da música alternativa - Spotify e Deezer eram como um sonho dentro de algum filme futurista - talvez poucos ali soubessem do que estavam prestes a presenciar.

Eu não tenho bem certeza, mas se não me engano a música que abriu a apresentação foi Wake Up. Aquele amontoado de gente no palco - contando todos os instrumentistas, o grupo chega a quase 10 integrantes - aquele falso refrão que é uma barbada de cantar em coro, um tipo de arranjo ao mesmo tempo melancólico e espacial, capaz de jogar o ouvinte lá pro meio dos melhores discos do David Bowie dos anos 70. Tudo somado ainda a emanações etéreas, enevoadas, rasgantes. Sério, poucas vezes tive um baque tão grande com uma banda nova, como naquela noite, naquele show. Pra quem aguardava, entre uma cerveja e outra, a apresentação de Julian Casablancas e companhia, não poderia haver melhor aperitivo. Aperitivo que, na real, veio a se mostrar, nos dias posteriores, uma espécie de suculento prato principal. E que até hoje é capaz de alçar o prazer de se ouvir boa música a um outro patamar.



Nos dias posteriores aquela apresentação, lembro de ter "furado o disco" - pra usar uma expressão bem da época em que ainda ouvíamos CDs - em infinitas audições madrugada adentro. O disco, por muitos anos, foi um dos meus preferidos - condição a que se mantém até hoje, não posso negar. Não se trata apenas de pop perfeito, iluminado quase que literalmente por arranjos de cordas imprevisíveis, sintetizadores bem pontuados e uma série de camadas que ambientam o som dos canadenses entre o otimismo dark e o sofrimento ensolarado. Se trata de uma estreia que conseguiu ser ao mesmo tempo grandiosa e intimista, potente e sutil. Muito se fala que a última grande banda que surgiu nesse milênio - após Nirvana e Radiohead terem dado o último suspiro ainda no século passado - foi, por ironia do destino, o próprio Strokes. Pois eu discordo frontalmente em relação a essa assertiva: com o seu riquíssimo repertório de registros, é do Arcade Fire este posto, até o momento.

Com letras capazes de versar sobre temas tão distintos, como, amadurecimento (Neighborhood #1 - Tunnels), programa espacial soviético (Neighborhood #2 - Laika), nostalgia (Wake Up) e imigração (Haiti), o disco ainda promove uma fácil aproximação com o ouvinte. Não apenas de quem gosta de música alternativa - e talvez até seja exagero enquadrar esse registro no nosso Lado B Classe A - mas também dos fãs de músicas comerciais e radiofônicas. Como ignorar o refrão grudento de Crown Of Love, por exemplo? Ou o compasso absolutamente ritmado e contagiante de Rebellion (Lies)? Ainda assim, o clima geral, e as metáforas empregadas, tem, em seu fundo, a intenção de fazer uma reflexão sobre nossas atitudes durante a vida e sobre como nos preparamos para o ocaso de nossa existência. Não à toa, o clima sacro e o título do álbum efetivamente remetem a morte, já que quatro integrantes perderam parentes próximos semanas antes do lançamento do disco. Algo que talvez também tenha contribuído para a grandiosidade desse registro. Sobre o show dos Strokes, em 2005? Não lembro, pois saímos antes do final. Já satisfeitos com a dose cavalar de boa música que recebemos na ocasião.

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