domingo, 10 de janeiro de 2016

Cinema - Os Oito Odiados (The Hateful Eight)

De: Quentin Tarantino. Com: Samuel L. Jackson, Kurt Russel, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins, Demián Bichir, Tim Roth, Michael Madsen e Bruce Dern. Faroeste, EUA, 2015, 167 minutos.

O cinema é a maior de todas as Artes. Ou a junção de praticamente todas elas. Roteiro (a escrita), atuações (artes cênicas), fotografia, trilha sonora (a música), cenários (direção de arte) e outras tantas unidas para criar uma obra pronta a ser apreciada pelos espectadores em comunhão em uma sala escura. A catarse em forma de riso, choro, reações frente ao que se vê na tela e se ouve saindo das caixas de som. Uma orquestração milimetricamente desenvolvida para proporcionar emoções na plateia. O absurdo da vida amplificado em forma de imagens e som. E quando tudo isso vem no pacote genial do diretor americano Quentin Tarantino, temos algo especial - como no caso de seu mais novo filme Os Oito Odiados (The Hateful Eight), o oitavo de sua irrepreensível carreira.

Quando um caçador de recompensas (Russel) está em sua diligência com a prisioneira Daisy Domergue (Leigh) fugindo de uma nevasca, encontra no meio do caminho o Major Marquis Warren (Jackson) que, após ter capturado alguns criminosos e está sem o seu cavalo, pede carona para a cabana mais próxima afim de fugir da tempestade de gelo que se aproxima cada vez mais. Ainda no caminho, encontram alguém que se diz o atual xerife da cidade de Red Rocks (Goggins), que acaba por fazer parte da caravana até chegarem à cabana de propriedade de Minnie e Sweet Dave, que lá não se encontram. Ao invés disso, eles acabam se juntando com o carrasco britânico Oswaldo Mobray (Roth), o mexicano Bob (Bichir) e o misterioso Joe Gage (Madsen), além do general aposentado Sandy Smithers (Dern), que lá estavam. Para não revelar detalhes da trama, resta dizer que a dinâmica entre os personagens será de crescente tensão, visto que todos estão presos em um local cujo ambiente externo é tão ou mais hostil.


Seja na trilha sonora magistral do mestre Enio Morricone, da fotografia em 70 mm de Robert Richardson e do roteiro e direção precisas de Tarantino, tudo funciona neste faroeste que presta uma homenagem ao cinema da década de 60. Mas como trata-se de uma obra tarantinesca, os traços do cinema de autor estão presentes, remetendo a obras anteriores do diretor como Cães de Aluguel e Django Livre. Aqui temos os diálogos inspirados (e extensos), a calma em desenvolver os personagens, os cenários caprichados, a violência extrema, o mistério, e a crítica social, características desenvolvidas na potência máxima. O elenco está fantástico, com destaque para Samuel Jackson (cujo monólogo no meio do filme certamente será lembrado por quem assistir), Jennifer Jason Leigh (como a perigosa, debochada e "saco de pancadas" Domergue) e a surpresa Walton Goggins, cuja expressão lembra muito os faroestes de Sergio Leone e proporciona, junto a Jackson, os momentos mais hilários do filme.

Se levarmos apenas em consideração o aspecto entretenimento, a obra já seria uma experiência altamente satisfatória - vide o aspecto farsesco e de mistério do filme, que lembra muito os romances de Agatha Christie e suas histórias de detetive, além das já manjadas referências cinematográficas (Russel em O Enigma de Outro Mundo) tanto utilizadas pelo cineasta. Mas é ao transformar seu roteiro em uma alegoria da história sangrenta dos Estados Unidos que Tarantino eleva sua obra a uma condição superior de Arte. Temos aqui a busca por recompensas (o capitalismo), a violência contra a mulher (bem como a força desta frente às adversidades), o racismo (o papel do negro e sua segregação, bem como sua busca por espaço em um mundo dominado por brancos), a xenofobia, a colonização inglesa, e a esperança por dias melhores tão desejada pelo presidente americano à época, Abraham Lincoln - mas tão longe de ser alcançada por uma espécie que desde sempre foi fadada à auto-destruição, como o gênio Tarantino sabe demonstrar como ninguém.

Nota: 9,5.

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