Billy Wilder e a arte de desconstruir clichês
...no meio do caminho estava Barbara Stanwyck.
Esta garota de pouco mais de 1,60m não era exatamente uma beldade. Nem tinha as curvas mais provocantes ou lançava olhares com aquele Je ne sais quoi de Dietrich ou de Garbo. Tanto podia ser uma pacata dona de casa como uma senhora da alta sociedade. Ou seja, não havia em torno dela a construção fixa de femme fatale. O filme que deu a ela esta aura foi o incrivelmente bem feito Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944). Dirigido por Billy Wilder, foi indicado a sete Oscar. O longa é baseado em uma história real que se transformou em romance pelas mãos de James M. Cain, em 1935. O roteiro é de Raymond Chandler, conhecido escritor noir.
No filme, o severo agente de seguros Walter Neff (Fred Mac Murray) conhece e se apaixona por Phyllis Dietrichson (Stanwyck), a atraente esposa de um milionário. Em pouco tempo, Neff abandona a ética e o bom senso e Phyllis o convence a matar o marido dela, a fim de receber o dinheiro do seguro de vida. Mas não pode ser “qualquer” tipo de assassinato. Para receber o dinheiro, é preciso convencer a seguradora que se trata de um acidente pessoal. Desnecessário dizer que as coisas não saem como planejadas. E, na verdade, isso pouco importa.
Wilder segue à risca a fórmula do filme noir, sem torná-lo um clichê: uma mulher sedutora e misteriosa; um homem desiludido com a humanidade – no caso de Neff, ele não crê que possa ser enganado, pois conhece o caráter humano –; um "detetive" astuto – o chefe de Neff –; uma série de reviravoltas, um ambiente sufocante, com a prevalência da filmagem em preto e branco. Diferentemente da trama policial clássica (Agatha Christie, Conan Doyle, por exemplo), que garantiu a glória do gênero desde os começos da era industrial, no texto noir escrito a partir de Dashiel Hammett (1894-1961) – de quem Chandler era seguidor – mais importante do que saber quem cometeu o crime é descobrir como se chega à conclusão.
Quando Phyllis Dietrichson desce as escadas, deslumbrando Neff que a vê pela primeira vez, o espectador sabe que ele está encrencado. É também quando Stanwyck, brilhantemente dirigida por Wilder, apresenta e solidifica, em simultaneidade, a femme fatale e a estética noir. Pouco a pouco, a expectativa e a dúvida passam a nos rondar: como tudo isso vai terminar? Como deslindar esta rede – da qual somos comparsas, já que acompanhamos a elaboração e a execução do crime – e na qual os detestáveis vilões se tornaram os protagonistas incontestes, identificando-se com o público? Sobretudo, pesa a pergunta: como alguém tão maduro e idôneo como Walter Neff pode descer a tal nível?
Não há, no entanto, inverossimilhança na mudança de comportamento de Neff. Uma retomada ao início do filme lança luz sobre um homem saturado pela rotina e pela previsibilidade. Para ele, a resposta para o crime é clara: I killed him for money and for a woman. Mas talvez nada seja simples assim e este implícito coloca mais uma estrela na classificação de Pacto de Sangue como um clássico.
Tanto Mac Murray quanto Stanwyck relutaram em aceitar os respectivos papéis. Para convencer Barbara a incorporar Phyllis, Wilder teria lhe perguntado se ela era uma atriz ou um rato. A resposta é o melhor filme noir de todos os tempos.
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