terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Encontro com a Professora - Senhoritas em Uniforme

A nossa colunista preferida está de volta com mais um grande texto! No quadro Encontro com a Professora, a nossa querida amiga - e professora, e mestre - Rosane Cardoso fala do clássico Senhoritas de Uniforme, de 1958. Está aí um filme que ainda não vi, mas fiquei extremamente curioso por ele. Boa leitura!

Jungen, Kirche, Küche!!
Senhoritas em Uniforme

Prússia, 1910. A educação das mulheres está firmemente baseada na ideia de criar boas esposas para bons soldados. Para isso, nada melhor do que um internato em que as famílias tradicionais possam confiar. Esta é premissa de Senhoritas em Uniforme (Mädchen in Uniform), versões de 1931, dirigida por Leontine Sagan, e de 1958, de Géza von Radványi. Baseado no romance de Christa Winsloe, é o primeiro filme na história do cinema a ter elenco inteiramente feminino. Falemos da segunda versão.

Manuela Meinhardis (Romy Schneider) é a mais nova interna de uma severa instituição de ensino para meninas. Órfã, encontra conforto nas colegas e, principalmente, na professora Fräulein Elisabeth Von Bernburg (Lilli Palmer), amada por todas as alunas, em uma mistura de figura materna e objeto de desejo. Manuela apaixona-se quase imediatamente.



O filme intercala cenas sombrias e claras. No quarto onde todas as internas dormem, seus risos, sonhos e curiosidade iluminam completamente a cena. Existe inocência no ar e elas estão à espera de um futuro maravilhoso para o qual o único obstáculo é passar pelo tempo de formação. Ainda que tenham de marchar com o passo milimetricamente cronometrado, estão esperançosas. Mas o espectador não tem como se deixar enganar por muito tempo.

Em torno delas está o mundo das mulheres adultas controladas por um sistema patriarcal feroz. A Diretora dirige o internato sob o lema “Não estamos no mundo para sermos felizes, mas para fazer o nosso trabalho”. Quase sempre famintas, pois a fartura pode conduzir a excessos, as garotas pertencem ao ciclo anunciado por uma das mães: Trato minha filha como a minha mãe me tratou: primeiro, internato, depois, o matrimônio; no meio, nada. Ao que a diretora responde: São os nossos princípios: meninos, igreja, cozinha! (Jungen, Kirche, Küche!).


Por amar Elisabeth, Manuela traz a poesia de volta ao internato, descobre o sofrimento amoroso, cai num processo de autodestruição que, felizmente, também terá papel transformador entre as habitantes daquele mundo cheio de interditos nunca totalmente confrontados. Aliás, este é um dos méritos de Senhoritas em uniforme: deixar perguntas no ar enquanto os créditos baixam ao som dos passos da Diretora.

Embora tenha causado polêmica pelo homoerotismo feminino, não me parece que este seja o tema, ainda que esteja aí. Mas está, do meu ponto de vista, como deve estar. Isto é, a opção do filme é pela discussão da sexualidade e não do sexo per si. Por isso, chama mais atenção o medo de Von Bernburg ante o desejo que sente; o amor simples e direto de Manuela pela mulher que a compreende; a fragilidade da Diretora escondida atrás do autoritarismo; a imposição da solteirice para que o magistério seja exercido de forma adequada; e, por fim, a liberdade abortada pela premência de dar bons soldados à pátria.  



Destaco ainda, a relativização de papéis estabelecidos entre opressores e oprimidos: quem manda nem sempre tem o poder que imagina ter. Às vezes, só seguem o que lhe impuseram a tanto tempo que não percebem que são peças de um jogo decidido. Embora a Diretora comande o internato com mão de ferro, ela é refém do ciclo Jungen, Kirche, Küche. Quem realmente manda jamais aparece no filme.


Não obstante, este apagamento vale mais do que mil imagens. E, não por acaso, os nazistas odiaram.

Nenhum comentário:

Postar um comentário