segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Pérolas do Netflix - A Espuma dos Dias

De: Michel Gondry. Com Romain Duris, Audrey Tautou, Gad Elmaleh e Omar Sy. Comédia dramática / Fantasia, França, 2013, 130 minutos.

O amor dos recém-casados Chloé e Colin é posto à prova quando ele descobre que sofre de uma doença misteriosa que faz uma flor crescer em seu pulmão. Poucas descrições de filmes serão capazes de dizer tão pouco quanto este resumo de A Espuma dos Dias (L'Ecume de Jours), que aparece junto do link para a obra, dentro da plataforma de streaming Netflix. Essa condensadíssima sinopse, é preciso que se diga, pouco diz a respeito dessa verdadeira pérola! Quer dizer, minimamente, se levarmos em consideração o fio condutor da história, sim, a descrição coincide com os acontecimentos. Mas todo o universo fantástico criado pelo ótimo diretor Michel Gondry - dos maravilhosos Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) e Rebobine Por Favor (2008) - é muito mais amplo.

A impressão que se tem ao assistir a película de Gondry - baseada na obra do autor Boris Vian - é a de se estar diante de algum novo filme de outro diretor francês: Jean Pierre Jeunet. Mas não me refiro aqui ao encantador O Fabuloso Destino de Amelie Poulain (2001), mas sim a trabalhos anteriores, como Ladrão de Sonhos (1993) ou, mais especificamente, Delicatessen (1991). O visual absolutamente arrebatador do filme será capaz de conduzir o espectador para um universo de sonhos, quase surrealista, em que calçados se movimentam sozinhos, campainhas parecem gigantes baratas de metal, pianos são capazes de elaborar coqueteis, mesas têm curvas, almoços e jantas possuem vida própria e pernas se esticam para facilitar a dança ao som de Duke Ellington. Ah, e flores crescem nos pulmões!



Nesse sentido, é preciso que se diga que a Espuma dos Dias nunca é uma obra de fácil apreciação. Mais do que um título com começo, meio e fim, o filme se configura como uma experiência cinematográfica capaz de fazer o espectador navegar por um universo fantástico em que objetos inanimados ganham vida, chefs de cozinha se escondem atrás de paredes e ratos funcionam quase como pequenos amigos ao estilo do Lester, de O Mundo de Beakman. Assim, muito melhor do que entender tudo aquilo que está acontecendo - e, sim, poderá ser uma jornada cansativa para os desavisados - mais indicado é saborear todo esse contexto e sua riqueza de elementos, fruto de uma direção de arte esteticamente inovadora e criativa. Se ao invés de um filme, estivéssemos diante de um disco, talvez esse pudesse ser o Wondrous Bughouse, do Youth Lagoon. Isso pra se ter uma dimensão do sentimento de caos e de desordem que permeia a trama.

Ainda que seja uma história de amor sobre um homem rico e tímido (Duris), que nunca precisou se preocupar com o trabalho e que tem pouco sucesso com as mulheres, mas que se apaixona por uma graciosa jovem em uma festa (Tautou), Gondry encontra tempo pra abordar, metaforicamente, uma série de assuntos. A alienação política e intelectual, a burocracia das grandes corporações, o abuso de poder, a cooptação de religiosos por igrejas corruptas e o capitalismo "selvagem". Todos esses temas, aqui e ali, entre um elemento lúdico e outro, entre uma escadaria torta e uma nuvem densa, servem para demonstrar que, na prática, o discurso não é tão banal como parece. Ainda que não seja apresentado com a profundidade que, habitualmente, uma obra dramática poderia ter. Ideal para ser apreciada por mais pessoas, a surrealista obra é daquelas que inevitavelmente suscita o debate enquanto sobem os créditos. Para o bem ou para o mal.


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