De: Morgan Simon. Com Valeria Bruni Tedeschi, Félix Lefebvre e Lubna Azabal. Comédia / Romance / Drama, Bélgica / França, 2024, 97 minutos.
Uma simpática comédia dramática sobre as complexidades da relação mãe e filho e que parece nos lembrar o tempo todo da importância de viver a própria vida - e não a dos outros. E, de como isso pode ser decisivo para um ambiente doméstico mais pacífico. Sim, parece papinho meio de coach, mas o caso é que no carismático Entre Nós, o Amor (Une Vie Rêvée), que acaba de estrear na Reserva Imovision, a vida da protagonista Nicole (Valeria Bruni Tedeschi) só dá um giro de 180 graus depois que seu filho sai de casa, após uma briga feia. Aliás, por briga feia, leia-se uma discussão forte em que verdades duras vêm à tona e ressentimentos emergem em uma velocidade galopante. "Tenho vergonha de você quando estou com meus amigos. Queria que você não existisse, você é um ser velho e grotesco morrendo um pouco a cada dia", verbaliza o jovem Sérgio (Felix Lefebvre), contra a sua genitora, do alto de seus 19 anos.
E, não sejamos hipócritas, né galera, todo mundo que já brigou feio com os próprios pais sabe que a quantidade de palavras agressivas por metro quadrado costuma verter sem muito espaço pra reflexão, pra racionalidade. É horrível, mas meio que parte da vida, como lembra a afável Norah (Lubna Azabal), dona de um boteco da vizinhança frequentado por imigrantes que passam os dias fumando narguilé e observando o movimento. É Norah que se aproxima de Nicole quando esta parece estar na pior para lhe oferecer um café, um cigarro, um abraço, um beijo, um... algo a mais. "Na idade deles você também não estava de saco cheio dos seus pais?", questiona amistosamente à protagonista. Que chora, mas também passa a olhar para o outro lado diante da atenção quase desmedida da afetuosa Norah. Em meio as divagações, Nicole afirma não ter nada a oferecer. Ao que recebe como resposta um "a felicidade não é questão de dinheiro".
Sim, pode parecer utópico ignorar a parte financeira em favor do amor, mas parte dos motivos da grande briga entre Nicole e Sérgio é que ela tá completamente ferrada do ponto de vista de grana. Desempregada e endividada, ela tem se empenhado em conseguir um novo trabalho - recebendo negativas excêntricas de entrevistadores, como no instante em que seu currículo é negado por ela simplesmente morar longe do local ("isso pode fazer com que você se atrase"). Após ter sua conta no banco encerrada justamente por causa das dívidas, ela resolve tomar uma decisão drástica para não deixar seu filho na pior: oferecer o seu corpo para a ciência, após a sua morte. O que impediria Sérgio de não apenas herdar o problema financeiro da mãe, mas também evitar uma despesa de cinco mil euros que seriam necessários para o enterro. Um gesto de amor que é mal interpretado pelo rapaz. Que se revolta. E sai de casa.
Tudo soa bastante simples e é. Não é que não haja uma reflexão um pouco maior sobre questões políticas da França - há sequências de Macron na TV verbalizando as conquistas econômicas de seu País, enquanto alguns setores ainda sofrem pela falta do básico. A xenofobia que parece rondar os cantos também surge, aqui e ali, salpicada em instantes meio aleatórios, mas que servem como parte do conjunto, afinal de contas os problemas domésticos nunca surgem desconectados de dificuldades sociais mais amplas. "Essa não é a sua casa pra você me tratar assim", argumenta Nicole a um senegalês que a confronta no boteco, após uma cena mais quente entre ela e Norah. É o suficiente para que o mal entendido quase escale para uma crise geral envolvendo os refugiados. Só que nesse caso bastante específico o que comove mesmo é a relação doméstica de mãe e filho. "Só quero saber se você está bem e se vem jantar", pergunta uma sofrida e chorosa mãe após a horrível discussão. É família sendo família. É carinho seguido de pancada. É celebração que se alterna com a dor. É real e intenso. O que faz valer.
Nota: 7,5