segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Novidades em Streaming - April (Ap'rili)

De: Dea Kulumbegashvili. Com Ia Sukhitashvili, Kakha Kintsurashvili e Merab Ninidze. Drama, Geórgia / Itália / França, 2025, 134 minutos

 "Sei que você faz abortos nas vilas. Você é uma assassina." A frase dita à médica obstetra Nina (Ia Sukhitashvili), por um pai enlutado, ainda no início de April (Ap'rili), o elogiado filme de Dea Kulumbegashvili que acaba de estrear na Mubi, serve não apenas para solucionar imediatamente aquilo que poderia ser um provável mistério da narrativa, mas também para evidenciar os preconceitos que envolvem a prática. Ainda mais em países em que a justiça reprodutiva e tudo que envolve os direitos das mulheres nesse campo, são tratados não como casos flagrantes de saúde pública e, sim, com decisões tomadas por rígidos códigos religiosos, que transbordam para dilemas morais profundos, talvez onde nem devesse existir dilema. Nina é uma excelente médica, respeitada por seus pares e que já realizou milhares de nascimentos no hospital em que trabalha. Mas, em certo dia, as coisas dão errado e um bebê nasce sem vida.

Para as pessoas do entorno, pouco importa que a gravidez não tenha sido informada ao hospital, num flagrante caso de negligência. Sem acompanhamento médico e com uma mãe desejando um parto normal, as coisas se complicam. "Aquela mulher sentiu um alívio ao ver que a criança tinha morrido. Ela estava tranquila, pacífica", argumenta Nina ao diretor do hospital, David (Kakha Kintsurashvili). Só que, pelo visto, nada disso importa muito quando, paralelamente, a protagonista cruza estradas de chão precarizadas para, aqui e ali, auxiliar jovens de pequenos vilarejos, muitas delas provavelmente vítimas de violência, sem desejar uma gravidez, a retirarem os fetos ainda em formação dos seus ventres. Aliás, o que é exibido em sequências bastante gráficas, que geram desconforto não pelo ato em si, mas pelas condições precárias em que ocorrem. Em mesas improvisadas, com toalhas plásticas e instrumentos nem sempre tão adequados.

 


Como um filme não hollywoodiano, esse vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Veneza não segue a lógica mais esperada em produções a respeito desse tema. Aqui não haverá sequências de tribunal ou com cidadãos "de bem" rabiscando o carro da protagonista com palavras de ódio ou intolerância ou outros tipos de eventos que seguem uma cartilha. Pelo contrário, para a diretora Dea Kulumbegashvili esta parece ser uma obra muito mais sobre sensações evocadas vindas de um plano quase abstrato, eventualmente onírico, do que de situações concretas que poderiam delimitar a narrativa. Não por acaso, a produção já abre com a cena de uma figura grotesca - uma espécie de monstro -, que se movimenta lentamente em um plano escuro, enquanto ao fundo ouvimos gritos e risadas que parecem ser de crianças pequenas. Um tipo de alegoria que retornará em diversos momentos, especialmente aqueles em que Nina parece confrontar a si própria (bem como suas decisões).

Sim, Nina tem uma vida solitária que envolve fugir das investidas do próprio David - que tem interesse nela (o que pode influenciar as tomadas de decisão futuras sobre sua continuidade no hospital) - e ter encontros fortuitos com homens desconhecidos de beira de estrada para satisfação sexual, com ela mesma não escapando da violência que emerge desses indivíduos. Ao cabo essa é uma obra complexa, que não reduz as figuras que encontramos à meras caricaturas, já que Nina parece trafegar entre a nobreza e a inconsequência dos seus atos, com os traumas da juventude - como no instante em que ela conta como a irmã quase perdeu a vida diante dela, que, paralisada, ficou sem ação -, retornando para lembrá-la que, sim, há uma certa monstruosidade que habita seu ser. Alternando longos planos sequência de chuvas torrenciais, estradas embarradas e dias cinzas, com os campos floridos da chegada da primavera, Dea constroi uma experiência selvagem e rústica, mas também meditativa e de fluidez lenta. É meio magnético justamente por fugir do óbvio. O que em tempos de massificação e de mais do mesmo, também tem valor.

Nota: 8,5 

 

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