terça-feira, 26 de agosto de 2025

Cinema - Amores Materialistas (Materialists)

De: Celine Song. Com Dakota Johnson, Pedro Pascal, Chris Evans e Zoe Winters. Drama / Romance, EUA / Finlândia, 2025, 116 minutos.

Vamos combinar que parte do magnetismo do cinema de Celine Song talvez esteja em sua capacidade de subverter pequenas lógicas. Ainda mais quando o assunto é o cinema e as expectativas criadas em relação ao que assistimos. No ótimo e elogiado Vidas Passadas (2023), por exemplo, ela brincou com as expectativas relacionadas ao primeiro amor. Do que poderia ter sido e nunca foi. E de como essas memórias ligadas às nossas paixões juvenis, muitas vezes podem surgir como um borrão idealizado. Como uma fantasia romantizada de uma outra época e que, verdade seja dita, muito provavelmente não existe mais. Afinal de contas as pessoas mudam e, que bom que é assim. Em seu novo projeto, Amores Materislistas (Materialists), a realizadora traz de volta um ethos meio batido, mas que costuma render em comédias românticas ou dramas de época: o casamento deve ser por amor ou por dinheiro?

Sim, a gente já viu essa história milhares de vezes e em tempos tão individualistas e de apelo à certas tradições o assunto parece receber uma injeção de oxigênio. Na trama, Dakota Johnson é Lucy, uma profissional que trabalha como casamenteira - meio que como um Tinder em forma de ser humano, que planilha candidatos solteiros, faz um levantamento de suas preferências em termos de idade, altura e condição financeira e tenta unir possíveis almas gêmeas. Um negócio que parece ser lucrativo junto à burguesia de Nova York, tanto que ela está prestes a celebrar a nona união entre pombinhos que não se conheciam e que agora estão prestes a seguir para o altar. E é justamente durante a festa de casamento de sua mais recente cliente, que ela conhece o charmosíssimo e elegante Harry (Pedro Pascal), um sujeito agradável que, nas impressões da profissional, é uma espécie de pão quente para os seus negócios. Solteiro, bem resolvido, com grana, é garantia de sucesso com suas clientes mais exaustas de tudo.

 


Só que, como nas tradições que envolvem obras do gênero, Harry não parece interessado em alguma das mulheres do catálogo de Lucy. O que ele deseja é a própria, com quem ensaia uma dança sensual que vai quase para além do simbólico. E como as coisas não costumam ser assim tão óbvias, há na vida de Lucy um terceiro integrante: no caso o garçom John (Chris Evans), um ator em meio período que luta para vencer na vida, enquanto as dívidas se acumulam (e as frustrações também). Por trafegar em um ambiente de tanta pompa e elegância, Lucy parece desejar ser parte daquele contexto de eventos chiques, gastronomia farta e bebidas sofisticadas. Harry, por mais que Lucy negue, tem o potencial para oferecer isso. Ao passo que o esforçado John, em meio ao desespero de um amor que nunca se resolve financeiramente, aparecerá em flashbacks bastante francos, encarnando o ex quebrado que calcula até os centavos na hora de oferecer um almoço de aniversário à protagonista ("não é que eu te odeie por ser pobre, mas nesse momento te odeio justamente por isso", afirma Lucy com uma franqueza atroz).

Para quem acredita que o amor possa superar todas as adversidades, inclusive as que envolvem a falta de dinheiro, a honestidade com que Lucy lê o mundo pode ser quase dolorida (ainda que a obra de Song possa preparar, aqui e ali, as suas ciladas). "Casamento é um negócio e sempre foi assim", "o jeito que você paga a conta de desconcerta", "um dia, sem motivo algum, vocês vão passar a se odiar, parar de fazer sexo, se trair", são algumas das frases práticas e quase niilistas que a protagonista desferirá com uma honestidade assombrosa, em meio a cenários luxuosos e que reforçam o prazer intelectual que é assistir pessoas tão bonitas, com discursos tão ambíguos e realistas, mas que denotam de forma vibrante a complexidade dos relacionamentos, com suas frustrações, vulnerabilidades, medos e incertezas. É, ao cabo, uma obra gostosa de ver e talvez não tão completa como Vidas Passadas. Mas tem uma beleza que foge daquele escopo óbvio de começo, meio e fim redondinho de comédia romântica mais previsível. Ainda que não seja necessariamente surpreendente. Ah, detalhe que não pode passar batido: a trilha sonora de nomes como The Ronettes, Cat Power, Harry Nilsson e Françoise Hardy é a cereja do bolo.

Nota: 8,0 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário