quinta-feira, 15 de maio de 2025

Novidades em Streaming - Oeste Outra Vez

De Érico Rassi. Com Ângelo Antônio, Babu Santana, Antônio Pitanga e Rodger Rogério. Faroeste / Drama, Brasil, 2025, 97 minutos.

Existe uma cena divertidamente melancólica em Oeste Outra Vez que talvez, em alguma medida, evidencie parte das discussões que a obra propõe. Nela, dois capangas do sertão goiano tentam estabelecer algum diálogo no quarto que compartilham. A noite já avança e um deles alega estar sem sono. "Tô tentando dormir mas a cabeça não deixa", comenta, afirmando que talvez esteja meio pra baixo. "Quer conversar um pouco?" questiona o companheiro. "Pode ser", responde o primeiro. Após alguns instantes de silêncio meio desconfortável em que eles se perguntam sobre o que exatamente irão conservar, o insone verbaliza: "não consigo pensar em nenhum assunto". "Bom, caso o senhor se lembre, me fale". Em geral essa poderia ser uma sequência meio boba, quase dispensável. Mas homens ainda meio jovens, incapazes de se comunicar - que não seja na base da violência, claro -, aqui, é a alegoria mais óbvia que ecoa nos tempos individualistas e niilistas que vivemos.

Sim, a aspereza daquele espaço ermo e desalentador pode até aludir aos faroestes clássicos de John Ford e a eterna busca por ocupação geográfica. De conquista e de vitória sobre algum inimigo forjado naquele ambiente em que a única linguagem possível é a do revólver. Claro que esse cenário pouco convidativo - arenoso, sem cor, sujo - parece indicar um tempo que não existe mais. Mas se fosse essa uma obra sobre redpills da classe média, que se alternam entre a misoginia galopante dos interiores de escritórios bem arejados e os encontros do clube de motoqueiros de final de semana, a coisa não fugiria muito dessa lógica. Aliás, se fosse um faroeste urbano, com homens violentos, toscos e bem vestidos, vivendo uma vida miserável de golpes, talvez a alegoria fosse ainda melhor. Refletindo ainda mais esse tempo em homens não sabem conversar sobre absolutamente nada na era do jogo do tigrinho e do pastorzinho coach, ao passo em que acreditam serem capazes de conquistar uma "mulherzinha" pra arrumar a casa e fazer companhia.

 


E, nesse contexto, eu admito que estou sem saber até agora se a escolha por músicas do Nelson Ned para integrar a trilha sonora da produção é apenas uma metáfora involuntária que envolve homens minúsculos tendo de compensar suas fragilidades emocionais empunhando pistolas, ou se foi algo deliberado. Justiça seja feita, Ned tinha nanismo e tinha um vozeirão que convertia suas canções - quase sempre libelos do sofrimento amoroso - em maiores (com o perdão do trocadilho) do que já eram. Já os homens de Oeste Outra Vez são pequenos porque são pequenos. Porque não sabem verbalizar aquilo que sentem. Que são desamparados - pelo Estado, por outras instituições, por suas famílias que lhes abandonam (uma ausência sentida e que poderia conferir ainda mais profundidade praqueles sujeitos mínimos se soubéssemos a origem desse desamparo). Onde estão as demais pessoas que circundam aqueles existências ordinárias? Afinal, se eles são como são isso também é efeito do meio em que vivem. E crescem. Sem perspectivas. Sem esperanças. 

Hábil em suas rimas visuais, o diretor Érico Rassi apresenta aqueles homens sedentos por vingança - a maioria das vezes por causa de sofrimentos amorosos nunca tornados claros -, como sujeitos falhos até na banalidade. Nesse sentido talvez não seja por acaso que praticamente todas as tentativas de atirar em alguém sejam estapafúrdias. Aqui não fica evidenciado o heroísmo daqueles bravos homens - tal qual os caubois de Ford de outrora (pistoleiros de código moral duvidoso, mas extremamente eficientes naquilo que se propõem) - e, sim, a total incapacidade até mesmo de executar aquilo em que deveriam ser bons. Efetivos. O capanga contratado por Toto (Angelo Antônio) para dar cabo de Durval (Babu Santana), após uma desavença, alega ser experiente. Mas não é. Bebe - aliás, a bebida é onipresente -, arma mal a arapuca, atira em tudo que é parte, mas deixa seu alvo escapar. O que inicia uma briga de gato e rato que quase sempre para na incapacidade de parte a parte de resolver a questão. Triste e esmaecido, esse é um filme que culmina numa cena tão aleatória quanto as decisões equivocadas daqueles que acompanhamos. Numa dança que segue mesmo frente ao imponderável.

Nota: 8,5

 

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