De: RaMell Ross. Com Ethan Herisse, Brandon Wilson e Aunjanue Ellis. Drama, EUA, 2024, 140 minutos.
O Reformatório Nickel (Nickel Boys) pode até ter passado meio batido pelo Oscar, afinal de contas foram apenas duas indicações - na categoria principal e em Roteiro Adaptado -, mas o fato é que vale a pena descobrir essa obra. No centro da narrativa está o debate sobre racismo estrutural (e institucional), que permanece atual até hoje - ainda que, na trama, retornemos no tempo, mais precisamente para a década de 60, nos Estados Unidos, onde crescia o movimento por direitos civis e de luta contra a segregação racial. É nesse contexto que somos apresentados ao jovem Elwood Curtis (Ethan Herisse), um jovem estudante da Florida que é injustamente enviado a um reformatório, após se tornar cúmplice involuntário em um caso de furto de veículo. E isso justamente após ter sido encorajado por seu professor a frequentar uma instituição de ensino superior voltada a estudantes negros.
Sim, pode parecer um filme meio normalzinho sobre preconceitos enraizados e injustiças diversas que volta e meia aparece em Hollywood, mas o caso é que a produção dirigida e roteirizado por RaMell Ross - a partir do romance vencedor do Pulitzer, escrito por Colson Whitehead -, fornece uma experiência diferente e mais imersiva ao espectador, uma vez que adota a câmera subjetiva, em primeira pessoa, para narrar os eventos. Com a ideia sendo permitir ao público uma vivência mais próxima (e realista) da série de violências - psicológicas e físicas - vividas não apenas pelo jovem, mas também pelo seu melhor amigo no reformatório, o carismático Turner (Brandon Wilson). E quando se fala em violência não se trata apenas da brutalidade que emerge de batidas policiais desastrosas, mas também do desprezo de pessoas brancas que se acreditam superiores apenas pela cor de sua pele (como no caso do repulsivo instante em que um idoso caquético aponta a sua bengala para Elwood, enquanto é protegido por uma polícia conivente).
E por mais duro que o filme seja nesse aspecto de denúncia, há que se destacar a sutileza generalizada na condução do roteiro. Em partes, o espectador desavisado pode até demorar um pouquinho a mais pra compreender do que se trata, uma vez que a obra abre com uma série de sequências e instantes bonitos, idílicos, quase oníricos de Elwood em companhia de sua avó Hattie (Aunjanue Ellis) - figura absolutamente amorosa, que substitui o pai do jovem, morto em circunstâncias, no mínimo, duvidosas. Aliás, em alguma medida, a produção adota esse tom esperançoso, quase sonhador, especialmente por incluir, aqui e ali, cenas de discursos de Martin Luther King (que podem surgir de uma TV ligada ou de um rádio em funcionamento) ou de filmes protagonizados por Sidney Poitier, que funcionam não apenas como rima visual, mas como reforço iconográfico de uma batalha pacífica em que apenas a ponta mais fraca sofre a agressão contínua.
Também nesse sentido, esse é um projeto que aposta em uma série de instantes alegóricos, simbólicos, como forma de reforçar seu ponto de vista - ainda que ele nunca seja enfiado goela abaixo de quem o assiste. Não são poucos os momentos em que Elwood olha para o próprio braço (e para a cor de sua pele), como se tentasse compreender os motivos da distinção que faz com que, em sociedade, brancos sejam apartados de negros (inclusive no reformatório) - e é bizarro pensar que isso ocorria nos Estados Unidos há apenas 60 anos (e é melhor não dar ideia pro Trump ou pra qualquer outro lunático de extrema direita, que eles são capazes de gostar). Em outros momentos, como o do folder que despenca da geladeira ou o dos lápis que parecem emular um instrumento de tortura, o público é instigado a refletir sobre o absurdo da violência sofrida por aqueles que acompanhamos. "Lá fora é tudo igual, só que aqui eles não precisam fingir", lembra Turner, após uma perturbadora sequência em que os jovens são espancados como forma de punição. Espancamento institucional, no caso, promovido pelo Estado, em reformatórios que, de fato, existiram nos anos 60. Comovente, belo, reflexivo. Esse é daqueles projetos que ficam conosco, quando os créditos sobem. Tá na Amazon Prime.
Nota: 8,5
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