De: Gints Zilbalodis. Animação / Aventura, Letônia / França / Bélgica, 2024, 85 minutos.
Um simpático gatinho tenta fugir de uma enorme inundação e, talvez, com essa premissa simples, tenhamos um dos grandes filmes desse começo de temporada. Visualmente impecável e essencialmente contemplativo, Flow (Straume) - o candidato da Letônia ao Oscar e que também foi indicado na categoria Animação (tendo a credencial de ter vencido o Globo de Ouro) -, é daqueles projetos que ficam na nossa mente, após a subida dos créditos. E ainda que não haja nenhuma grande evidência das temáticas que a obra pretende explorar - já que tudo é muito sutil a ponto de não haver diálogos -, é possível perceber, no mínimo, dois grandes assuntos que se sobressaem: o da importância da coletividade e do respeito às diferenças, para que obstáculos sejam superados e o da inadiável percepção de que o meio ambiente pode estar chegando ao seu limite. E uma enchente estratosférica é só um bom indicativo do preço que pagamos por não tratarmos a questão com mais seriedade.
Claro que o diretor Gints Zilbalodis não levanta essa bandeira de forma tão escancarada, tão nítida - até mesmo pelo fato de ter explicado, em entrevistas, que a ideia para o projeto surgiu ainda antes da pandemia (e talvez até como uma alegoria para o enfrentamento de uma catástrofe sanitária global ele servisse, se tivesse sido lançado mais cedo). Mas o caso é que o timing não deixa de ser impressionante, com o mundo cada vez mais em colapso por conta de fatores climáticos, sejam eles as enxurradas que nos afetam como nunca antes, o calor insuportável e até mesmo o frio exagerado. Isso sem falar em terremotos, furacões, vulcões em erupção e outros. Quando uma cheia devastadora ocorre, a gente não costuma pensar muitos nos animais da floresta, em meio ao salve-se quem puder. Mas eles também sofrem. E precisam lutar para sobreviver. Flow parece nos lembrar também disso.
Na trama, um gatinho percorre uma densa (e linda) floresta, que mais parece saída de algum jogo de videogame estilo Crash Bandicoot -, até o momento em que ele passa a ser perseguido por um grupo de cães não muito amistosos, após furtar deles um peixe. Só que como desgraça pouca é bobagem, uma manada de cervos em fuga será o indicativo de que a coisa não anda bem: a água chega sem muito aviso e depois de tomar uma dúzia de "caldinhos", o protagonista consegue se refugiar em uma casa isolada, decorada com esculturas de gatos de madeira - e é interessante notar como essa cabana pode ser um indicativo de que a vida humana por ali já não é mais uma possibilidade, ainda que uma série de rabiscos e de desenhos ali permaneçam. Da mesma casa se aproxima um amistoso labrador, que se vê em apuros com a subida da água - até que uma embarcação com os outros cães o leva embora. A água sobe mais e, bom, o gatinho que lute pra manter a pele seca.
Após a água subir até o limite do suportável, surge uma capivara em um pequeno veleiro - o que faz com que o nosso destemido protagonista se salve. Mais adiante, eles resgatarão um lêmure e um pássaro gigante de pernas longas. Além do labrador, que reaparece. De personalidades distintas - o gato mais rabugento, a capivara mais preguiçosa, o lêmure mais organizado, o labrador mais amistoso e o pássaro com espírito de liderança -, esse conjunto excêntrico navegará pelas águas em busca de comida, de um destino, de sobrevivência. Para o espectador, a percepção de que a união faz a força em um cenário inóspito (e como o mundo seria um lugar bem melhor se avançássemos para além da simples caridade, quando o assunto é o coletivo) é evidente. As lições dessa animação lindíssima, feita com recursos modestos - o total gasto foi de US$ 3,7 milhões, usando um software livre (a ferramenta Blender) -, pode parecer meio vaga. Mas quando o ciclo da vida e das coisas se repete, é meio difícil não sentir um gosto meio amargo.
Nota: 8,5
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