De: Mahdi Fleifel. Com Mahmood Bakri, Aram Sabbah, Mohammad Alsurafa e Angeliki Papoulia. Drama, Palestina / Grécia / França / Alemanha / Arábia Saudita / Dinamarca / Holanda / Reino Unido, 2024, 105 minutos.
"De certa forma é uma espécie de destino dos palestinos, não terminar onde começaram, mas em algum lugar inesperado e distante". Vamos combinar que em tempos de ódio, de preconceito, de intolerância e de xenofobia, reforçados pelos subsequentes ataques do governo de Israel à Faixa de Gaza - um genocídio bárbaro, que parece não ter fim -, a frase dita pelo já falecido intelectual Edward Said, que abre o desalentador filme Em Rumo a Uma Terra Desconhecida (To a Land Unknown), não poderia ser mais atual. De fato, para um povo em permanente processo de deslocamento, inseguro e desumanizado, o desespero soa ainda maior. Não há sensação de pertencimento onde quer que se esteja - o que explica esse senso de urgência e de fuga eterna que emana da obra do diretor Mahdi Fleifel - documentarista conhecido pelo premiado Um Mundo Que Não É Nosso (2012), e que está disponível na Reserva Imovision.
O cenário é uma Atenas moderna, urbana, agitada de dia, meio poética e sonora à noite, onde os primos Chatila (Mahmood Bakri) e Reda (Aram Sabbah) vivem de pequenos trambiques - como furtos de bolsas de velhinhas desatentas na praça -, na tentativa não apenas de sobreviver com o mínimo que seja de dignidade (algo difícil de se obter para quem é um refugiado, em um País que não deseja a sua presença), mas também de juntar algum dinheiro para o que seria o destino final de sua jornada. No caso, a Alemanha, onde aguardam a esposa e o filho de Chatila. Em seus sonhos nada oníricos - sempre carregados e pontuados por ausências -, a ideia é a de se instalar no rico País europeu para, lá, abrir uma cafeteria. A principal barreira? Tentar obter um passaporte, o que envolve a conexão com figuras não muito amigáveis e que habitam uma espécie de submundo da capital grega, como é o caso de um contrabandista que promete obter os documentos em troca de alguns outros favores.
Nada é muito fácil ali e a situação se torna ainda mais complicada quando a dupla central meio que adota o adolescente Malik (Mohammad Alsurafa), um jovem de 13 anos, que também está em fuga da Faixa de Gaza, buscando uma oportunidade de escapar dali para encontrar sua mãe na Itália. Mais gentil, sensível e empático com o menino, Reda o acompanha em suas andanças, enquanto Chatila, na crença de que seu parceiro está, de fato, preocupado com o novo amigo, bola um plano bastante complicado para ajudá-lo. O que envolverá a participação de uma quarta pessoa - no caso, Tatiana (Angeliki Papoulia), uma mulher grega que é incumbida de se fazer passar pela mãe do garoto, para que a fronteira possa ser finalmente cruzada. Tudo é intenso e sofrido e mesmo os pequenos instantes iluminados servem apenas para nos lembrar do desespero que ronda - como no momento em que Reda furta um par de tênis de uma loja para, lembrando à Malik que "não é legar roubar".
E, nesse sentido, vamos combinar que a obra não poderia ser mais acertada ao não apenas não vilanizar excessivamente os seus protagonistas - com sua disposição natural para a sobrevivência -, mas também não os tornando dois mártires incorrigíveis buscando fazer sempre o bem (o que seria uma solução bastante cômoda em um momento em que os olhos estão voltados para o conflito do Oriente Médio). Ao cabo mão há espaço para o maniqueísmo barato, que poderia comprometer a experiência. Reda tem problemas com drogas. Chatila não hesitará em agir com violência meio determinada em qualquer que seja a situação. Assim, as figuras vistas são complexas, com seus medos, desejos, sonhos, contradições e códigos morais questionáveis - o que é reforçado pelo impactante terço final, em que uma dolorosa sequência de sequestro escancara a violência estrutural a que todos ali estão submetidos. Trágico, cru e comovente, esse é daquele tipo de projeto que nos acompanha após os créditos subirem.
Nota: 8,5
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