terça-feira, 2 de abril de 2024

Novidades em Streaming - Monstro (Kaibutsu)

De: Hirokazu Koreeda. Com Hiiragi Inata, Kurokawa Souya, Eita Nagayama e Sakura Andou. Drama, Japão, 2023, 126 minutos.

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO TEM SPOILERS]

"Eu estou curado da minha doença". Em uma das mais comoventes sequências de Monstro (Kaibutsu), mais recente obra do sempre espetacular diretor Hirokazu Koreeda - de Pais e Filhos (2013) e Assunto de Família (2018)  -, o pequeno Hoshikawa (Hiiragi Inata) explica ao seu melhor amigo Minato (Kurokawa Souya) que eles não podem mais conviver juntos. Pressionado pelo pai, Hoshikawa explica que vai se mudar, que há uma menina de que ele gosta e que agora ele é "normal". "Você sempre foi normal", retruca Minato. A verdade não demora a vir à tona - e nesse momento, pro espectador, é quase difícil segurar as lágrimas. Nessa altura do campeonato o filme já avançou um monte. É no terço final que as peças verdadeiramente vão se encaixando - e a gente passa a compreender não apenas a complexidade da relação entre os dois meninos, mas em que medida a participação do professor de ambos, o senhor Hori (Eita Nagayama) e da mãe solo de Minato Saori (Sakura Andou) movimentam a narrativa.

Quando o filme começa, a impressão que temos é a de estar diante de um drama meio convencional. Um incêndio ocorre de madrugada e consome um prédio do centro da cidade. Hori talvez estivesse no prostíbulo que ficava em um dos andares da edificação - o que faz com que ele seja julgado. Talvez mais do que isso, vigiado. De forma concomitante, Minato passa a se comportar de forma muito estranha. Primeiro corta o próprio cabelo, sem muita explicação. Depois aparece sem um de seus tênis. O auge da esquisitice será quando Saori perceber o desaparecimento do próprio filho, descobrindo-o "perdido" em um túnel junto à ferrovia, no meio da noite, fora da cidade. É um momento de tensão bem construído, que se ampliará a partir de um suposto conflito entre Minato e o senhor Hori, que talvez o tenha agredido não apenas fisicamente mas com palavras, em circunstâncias não muito bem explicadas. É tudo meio nebuloso, e a trama parece atrair a nossa atenção para temas como pais superprotetores, abusos infantis e as dificuldades que envolvem ser professor nos tempos atuais.


 

Aqui, como de praxe nas produções de Koreeda, a narrativa é centrada nas relações familiares e na complexidade da experiência humana - especialmente no Oriente, onde a incomunicabilidade e a solidão parecem fazer parte do cenário contemporâneo. Trazendo mais de uma perspectiva, o filme salta do olhar da mãe no terço inicial, para o do professor em um segundo momento - o que permitirá ao espectador ir juntando as peças desse quebra cabeças tão sofisticado quanto delicado. Ao cabo, o diretor não parece ter pressa em nos revelar aquilo que propõe - há muitos silêncios e olhares demorados. Mais do que isso, nos permite reconhecer que a falta de informações sobre certos eventos podem nos levar a julgamentos antecipados. O tempo todo temos a impressão de estar buscando culpados. Do incêndio, da agressão à Minato, da falta de habilidade da escola em resolver problemas, da incapacidade da mãe de compreender o filho, quando na verdade quase esquecemos do óbvio: todos nós somos seres humanos cheios de imperfeições, de desejos, de segredos, de falhas, de arrependimentos.

Melancólica, a obra que venceu o prêmio de Roteiro no mais recente Festival de Cannes, se utiliza de uma série de metáforas e de frases de efeito que funcionam como alegorias de um mundo em transformação. Mais de uma vez os meninos se refugiam em um ônibus abandonado em uma floresta, que é decorado com uma série de objetos à sua maneira - um espaço idílico de encantamento, de fuga desse espaço tão bélico, tão cheio de preconceitos, de intolerância. "Quem é o monstro?", perguntam os meninos um ao outro em uma brincadeira de adivinhação, onde ambos grudam imagens de animais em suas testas - caracois, bichos-preguiça, porcos. A verdade dura é que a monstruosidade está na sociedade e em seus julgamentos, na vigilância constante ao que foge do padrão, na incapacidade de respeitar outras vivências, outras realidades. Assim como ocorre no recente Close (2022), Koreeda ousa ao abordar o tema da homossexualidade na pré-adolescência de forma compreensiva e elegante. Essas vidas existem, afinal. E tratá-las como "monstros" não irá resolver coisa alguma. O caminho para o sol, para a luz talvez ainda demore. Mas não custa sonhar.

Nota: 9,0


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