sexta-feira, 12 de abril de 2024

Cine Baú - Uma Mulher Sob Influência (A Woman Under the Influence)

De: John Cassavetes. Com Gena Rowlands, Peter Falk, Fred Draper e Katherine Cassavetes. Drama, EUA, 1974, 155 minutos.

"Ninguém quer ver uma mulher louca de meia idade". Uma das melhores histórias de bastidores da Hollywood dos anos 70 envolve justamente a obsessão do diretor John Cassavetes em tentar levantar fundos que possibilitassem o financiamento de Uma Mulher Sob Influência (A Woman Under the Influence) - obra estrelada por Gena Rowlands e Peter Falk, que, hoje, é considerada um clássico. Em alguma medida, dado o contexto da época, até não era difícil compreender o receio dos produtores. Um filme sobre uma dona de casa - uma mulher contemporânea tão afetuosa e carismática, quanto instável e irritadiça - abalada do ponto de vista emocional, que entra em uma espiral de decadência também por conta do consumo excessivo de álcool, talvez não fosse realmente algo muito atrativo. Tudo isso em um contexto de guerras - tanto a Fria quanto a do Vietnã -, e de incertezas gerais em questões políticas, econômicas, sociais, culturais. Uma mulher "louca", de meia idade? Não, obrigado.

Mas Cassavetes persistiu. Mais do que isso, hipotecou a própria casa e pegou dinheiro emprestado de familiares e amigos - entre eles o próprios Peter Falk, que estrela a produção ao lado de Rowlands (que era esposa do diretor) - para conseguir levar à produção para a telona. Hoje, quando se olha para trás e se vê o sucesso de público e de crítica do projeto - com direito à indicações ao Oscar e prestígio em listas de melhores internacionais -, não se imagina toda essa turbulência por trás das câmeras. Quer dizer, turbulência talvez não seja a palavra certa e, sim, esforço. De todos da equipe. Que tornariam o drama doméstico de Cassavetes em um dos mais impactantes retratos da corrosão familiar decorrente da instabilidade emocional - e de como o foro íntimo pode ser muito mais complexo do que se imagina. Ao cabo, talvez a Mabel de Gena Rowlands não seja a vilã da história. Longe disso. Ela está muito mais para uma vítima: das circunstâncias, do patriarcado, de um sistema que a impede de ser um espírito livre, talvez como ela desejasse. É uma elaboração de personagem única.


 

Em uma das mais inesquecíveis sequências da obra, Nick (Falk), leva uma dezena de colegas de trabalho - ele é um operário da construção civil - para a sua casa, sem avisar Mabel de antemão. E isso depois de dar um "bolo" na esposa por precisar fazer hora extra, após o vazamento de um cano de um bairro da cidade (o que obriga o homem a trabalhar justamente no turno em que ambos haviam combinado de jantar juntos, a dois, já que os filhos iriam passar a noite na casa da mãe dela). Só que mesmo à contragosto, Mabel se mantém afável, faz espaguete para os homens, procura conversar com todos, mostra interesse pelas suas vidas. Elogia-os - pela aparência, pelos esforços. Mabel, com seu estilo caloroso, quase sedutor, parece impactar a todos ali. O que faz com que Nick se sinta desconfortável, iniciando uma série de pequenos conflitos, que evoluirão para outros comportamentos tidos como estranhos, povoados por ansiedades e nervosismos, e que "obrigarão" o homem a tomar uma atitude mais drástica.

Diferente do que ocorre em outros filmes sobre conflitos domésticos, aqui temos um diretor que utiliza os longos planos sequência, os diálogos cheios de detalhes importantes para a narrativa e as interpretações naturalistas e repletas de carisma como forma de fortalecer e dar densidade à experiência. Em muitos casos, as cenas podem ser até exaustivamente longas, intensas, com o ritmo se alternando entre a doçura inesperada e a fúria intempestiva (às vezes com uma chegando segundos depois da outra, como no caso da já citada sequências do jantar). Ainda assim, com mais de 2h30 de duração, o projeto jamais perde o rumo naquilo que se propõe: eviscerar as fraturas do tecido social e as angústias de uma mulher que precisa lidar com uma sociedade machista e castradora, com pendor para misoginia e que é incapaz de compreender seus interesses e desejos. Sim, pode ser simplista e talvez Mabel precisasse efetivamente de tratamento psiquiátrico - uma coisa não anula a outra. Mas Nick compreenderá a duras penas que sua mulher tão fragilizada emocionalmente talvez seja apenas um reflexo de um contexto maior, em que os papeis de gênero se confundem. O que se evidencia aqui é a vida real. Com suas frustrações, felicidade fragmentada, memórias afetivas quase simplistas e um desejo de libertação não se sabe bem de quê. Essencial.


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