Em uma das melhores sequências de Mulheres do Século 20 (20th Century Women) um amigo do jovem protagonista Jamie (Zumann) se vangloria de seus feitos sexuais, garantindo ter comido a namorada dele "tão forte", que ela teria gozado três vezes. Com um semblante sereno, Jamie pergunta ao outro como ele teria feito para estimular o clitóris da namorada, uma vez que as mulheres precisam ser tocadas diretamente nesta região - com os dedos ou com a língua - para alcançar o orgasmo. "Ela deve ter fingido", prossegue, num misto de ironia e condescendência. A resposta do outro, incapaz de lidar com o fato de ver a condição de "macho alfa comedor" ser desmascarada é dizer: "os Talking Heads são um bando de bichas". ("música de homem", na época, eram as gritarias sem noção do Black Flag)
Sim, aos 15 anos Jamie gosta de Talking Heads. E está aprendendo sobre o universo feminino, sobre como tratar uma mulher ou contribuir para o seu prazer. Na visão do projeto de machinho alfa, que certamente aprendeu nas reuniões familiares dominicais que lugar de mulher é na cozinha ou no tanque (qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência), o respeito a elas ou as suas vontades é coisa de gay. E, tão sintomática é a sequência acima, que ela termina com o boyzinho lixo partindo para a violência - já que, para argumentar com palavras, é preciso pensar. O filme se passa em 1979 e Jamie é o resultado de um universo em transformação e que viu em movimentos como a contracultura do final dos anos 60, a contestação social, a inovação de estilo e o espírito mais liberal focado nas transformações de consciência, de valores e de comportamento.
Jamie vive rodeado por três mulheres que dominam a tela - cada uma a sua maneira - com suas magnéticas presenças. Dorothea (vivida por Bening) é a mãe conservadora que fica pasma ao saber que o motivo da briga do filho foi "estimulação clitoriana" e que ainda ouve dele a melhor resposta, após ser questionado sobre o por quê de brigar por esse motivo. "Eu quero ser um cara legal e saber satisfazer uma mulher", diz o garoto. Abbie (Gerwig) é a vizinha de 24 anos que aluga um quarto no andar de cima. Fotógrafa viciada em cultura punk, é ela quem empresta livros sobre feminismo e papel da mulher na sociedade para Jamie. Por fim temos Julie (Fanning) uma moça de 17 anos que sonha em ser psicóloga - ainda que ela pareça ser incapaz de analisar a sua própria condição - e que tem Jamie como confidente (sendo que este é apaixonado por ela).
Com idas e vindas no tempo, a obra de Mike Mills (Toda Forma de Amor) procura, não sem certa ambição, abarcar um século inteiro de vida - bem como suas guerras, movimentos culturais, conquistas sociais e avanços tecnológicos - colocando em análise o papel da mulher na sociedade, em meio a tudo isso. Ainda que não seja pouco, o filme nunca se torna chato ou excessivamente didático. Um ou outro flashback aqui e ali, ou mesmo uso de câmera lenta para delimitar determinada sequência, e a trama já nos traz de volta para o ano de 1979, sendo as interações entre os personagens, seus diálogos e considerações sobre o mundo a grande força motriz da película. Por quê não falar sobre menstruação em meio a uma janta com amigos, provoca Abbie? Sim, o mundo mudou e é preciso que todos - homens, mulheres, adultos e jovens - se adaptem a ele. Ou ao menos aprendam sobre respeito.
Rico em relação a trilha sonora e eventualmente exagerado na fotografia saturada (de Sean Porter), a obra foi indicada ao Oscar na categoria Roteiro Original e este de fato é um dos tantos méritos do filme. O outro é respeitar a todos os personagens, tornando-os multidimensionais e (quase) nunca estereotipados - a exceção talvez seja Julie. O próprio Jamie, ainda que se mostre "avançado" para alguns assuntos, para outros ainda se apresenta preso a uma realidade e a um entorno que faz com que ele se comporte de maneira conservadora. Já Dorothea está atenta a criação do menino mas, ao invés de se preocupar em arrumar um macho qualquer para ela - como se isso fosse também delimitador de sua felicidade - delega as duas amigas mais novas o papel de contribuir para a formação do garoto. Um filme inspirador, leve e com uma importante discussão. E que nos faz sair da sessão com o melhor dos sentimentos.
Nota: 9,0
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