segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Novidades em DVD - Mulheres do Século 20 (20th Century Women)

De: Mike Mills. Com Annette Bening, Greta Gerwig, Elle Fanning, Lucas Jade Zumann e Billy Crudup. Comédia dramática, EUA, 2016, 119 minutos.

Em uma das melhores sequências de Mulheres do Século 20 (20th Century Women) um amigo do jovem protagonista Jamie (Zumann) se vangloria de seus feitos sexuais, garantindo ter comido a namorada dele "tão forte", que ela teria gozado três vezes. Com um semblante sereno, Jamie pergunta ao outro como ele teria feito para estimular o clitóris da namorada, uma vez que as mulheres precisam ser tocadas diretamente nesta região - com os dedos ou com a língua - para alcançar o orgasmo. "Ela deve ter fingido", prossegue, num misto de ironia e condescendência. A resposta do outro, incapaz de lidar com o fato de ver a condição de "macho alfa comedor" ser desmascarada é dizer: "os Talking Heads são um bando de bichas". ("música de homem", na época, eram as gritarias sem noção do Black Flag)

Sim, aos 15 anos Jamie gosta de Talking Heads. E está aprendendo sobre o universo feminino, sobre como tratar uma mulher ou contribuir para o seu prazer. Na visão do projeto de machinho alfa, que certamente aprendeu nas reuniões familiares dominicais que lugar de mulher é na cozinha ou no tanque (qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência), o respeito a elas ou as suas vontades é coisa de gay. E, tão sintomática é a sequência acima, que ela termina com o boyzinho lixo partindo para a violência - já que, para argumentar com palavras, é preciso pensar. O filme se passa em 1979 e Jamie é o resultado de um universo em transformação e que viu em movimentos como a contracultura do final dos anos 60, a contestação social, a inovação de estilo e o espírito mais liberal focado nas transformações de consciência, de valores e de comportamento.


Jamie vive rodeado por três mulheres que dominam a tela - cada uma a sua maneira - com suas magnéticas presenças. Dorothea (vivida por Bening) é a mãe conservadora que fica pasma ao saber que o motivo da briga do filho foi "estimulação clitoriana" e que ainda ouve dele a melhor resposta, após ser questionado sobre o por quê de brigar por esse motivo. "Eu quero ser um cara legal e saber satisfazer uma mulher", diz o garoto. Abbie (Gerwig) é a vizinha de 24 anos que aluga um quarto no andar de cima. Fotógrafa viciada em cultura punk, é ela quem empresta livros sobre feminismo e papel da mulher na sociedade para Jamie. Por fim temos Julie (Fanning) uma moça de 17 anos que sonha em ser psicóloga - ainda que ela pareça ser incapaz de analisar a sua própria condição - e que tem Jamie como confidente (sendo que este é apaixonado por ela).

Com idas e vindas no tempo, a obra de Mike Mills (Toda Forma de Amor) procura, não sem certa ambição, abarcar um século inteiro de vida - bem como suas guerras, movimentos culturais, conquistas sociais e avanços tecnológicos - colocando em análise o papel da mulher na sociedade, em meio a tudo isso. Ainda que não seja pouco, o filme nunca se torna chato ou excessivamente didático. Um ou outro flashback aqui e ali, ou mesmo uso de câmera lenta para delimitar determinada sequência, e a trama já nos traz de volta para o ano de 1979, sendo as interações entre os personagens, seus diálogos e considerações sobre o mundo a grande força motriz da película. Por quê não falar sobre menstruação em meio a uma janta com amigos, provoca Abbie? Sim, o mundo mudou e é preciso que todos - homens, mulheres, adultos e jovens - se adaptem a ele. Ou ao menos aprendam sobre respeito.


Rico em relação a trilha sonora e eventualmente exagerado na fotografia saturada (de Sean Porter), a obra foi indicada ao Oscar na categoria Roteiro Original e este de fato é um dos tantos méritos do filme. O outro é respeitar a todos os personagens, tornando-os multidimensionais e (quase) nunca estereotipados - a exceção talvez seja Julie. O próprio Jamie, ainda que se mostre "avançado" para alguns assuntos, para outros ainda se apresenta preso a uma realidade e a um entorno que faz com que ele se comporte de maneira conservadora. Já Dorothea está atenta a criação do menino mas, ao invés de se preocupar em arrumar um macho qualquer para ela - como se isso fosse também delimitador de sua felicidade - delega as duas amigas mais novas o papel de contribuir para a formação do garoto. Um filme inspirador, leve e com uma importante discussão. E que nos faz sair da sessão com o melhor dos sentimentos.

Nota: 9,0

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