segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Cinema - A Felicidade das Pequenas Coisas (Lunana: A Yak in the Classroom)

De: Pawo Choyning Dorji. Com Sherab Jorji, Pem Zam, Ugyen Norbu Lhendup e Kelden Lhamo Gurung. Drama, Butão / China, 2019, 110 minutos.

Sinceramente eu terminei esse magnífico e afetuoso A Felicidade das Pequenas Coisas (Lunana: A Yak in the Classroom) já achando uma pena o fato de que, muito provavelmente, poucas pessoas se interessarão pela obra - ainda que a indicação ao Oscar (é o representante do Butão na categoria Filme em Língua Estrangeira) talvez possa dar um upgrade. Por que o caso é que esse é o tipo de experiência que ilumina, que aconchega, que olha para as coisas simples da vida com ternura, com reverência. Para a natureza. Para as artes. Para a cultura e para o ensino. Para o poder do aprendizado. Ou para a mera importância do professor. O que em um mundo tão impessoal, tão individualista, tão tecnológico, tão conectado mas tão distante, parece tornar tudo ainda mais paradoxal. Hoje em dia parece que o olho no olho perdeu espaço. Tudo é tecla, bit, aplicativo, rede social. O resultado desse contexto é um coletivo insatisfeito, intolerante, consumista. Esses somos todos nós - eu também estou nesse bloco. Onde foi que erramos esse passo?

Vocês que, assim como eu, moram na cidade, se lembram quando visitavam os parentes do interior na juventude? Ou talvez essa era a vida real de vocês, ao lado dos pais, dos avós, dos bichos, da horta. Pois o filme do diretor Payo Choyning Dorji nos faz lembrar desse tipo de existência: bucólica, em meio a natureza e em comunhão com ela. Sim, cheia de dificuldades, com uma necessidade enorme de uma boa dose de improvisos. Mas com um espírito comunitário elevado, em que todos ajudam todos. E todos se apoiam. Só que quando Ugyen (Sherab Jorji), um professor do serviço público de ensino é enviado pelo Governo para Lunana, uma aldeia do Butão que talvez seja a mais remota do planeta, o jovem educador não sabe o que vai encontrar. E de quebra ele ainda vai meio à contragosto, já que o seu sonho verdadeiro é obter um visto para a Austrália, onde pretende investir na carreira de músico. Em resumo, ele está insatisfeito e ainda precisa ministrar aula em um lugar que, definitivamente, não quer estar.

Bom, não é preciso conhecer muito de estrutura clássica de narrativas em filmes para saber o que, mais ou menos vai acontecer nessa joia do cinema asiático. E não tem nenhum problema que o arco narrativo seja convencional, porque as personagens que encontramos são tão cativantes, tão apaixonantes, tão agregadoras, que essa é uma daquelas experiências que não queremos que acabe. Lunana não tem nem 60 moradores na comunidade, estando localizada quase 5 mil metros acima do nível do mar. Aliás, pra alcança-la são necessários seis dias de uma cansativa caminhada morro acima em meio ao verde exuberante - as paisagens são deslumbrantes -, para acessar um lugar sem nenhuma estrutura. Não há luz, salvo em dias ensolarados, por meio de energia solar. A sujeira e a precariedade estão em toda a parte. Na escola improvisada ficam duas ou três mesas de madeira, não há quadro negro, o ambiente é escuro. Mas os alunos são puro amor. Empolgação. Vontade. Generosidade.

Sim, porque ao cabo esse filme é também uma verdadeira ode ao ensino. Tratado com toda a pompa e circunstância já na recepção - feita por um certo Michen (Ugyen Norbu Lhendup) -, Ugyen ganhará status de autoridade, um reconhecimento de sua liderança que, em tempos de desrespeito completo à categoria dos professores, nos faz, no mínimo, repensar. "Eu quero me tornar professor porque o professor toca o futuro", responde um dos alunos, quando questionado pelo protagonista sobre quais os anseios para o futuro. É tudo muito nobre, muito solene, ainda que simples: a música está presente no canto dos povos e vai costurando a narrativa, bem como o desenho de produção e a fotografia belíssima que resulta dos cenários impactantes. Eu já tinha ouvido falar que o Butão era um País bonito - aliás, é conhecido pela felicidade de seu povo. Só que na jornada de Ugyen a gente percebe que ele também estava em busca de felicidade. De um algo a mais. Que lhe retirasse do marasmo. E ele jamais sonhava imaginar onde encontraria tudo isso. É sério, é impossível não se comover.

Nota: 9,0

2 comentários:

  1. Resenha a altura do filme. Claro que eu chorei. ❤️. Parabéns amor Tiago Bald, por traduzir tão bem as linhas cheias de palavras com vida.

    O filme e top.

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    1. Amor, obrigado pelo comentário! Foi realmente maravilhoso dividir com você um filme tão afetuoso e bonito como esse.

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