sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Cinema - Fale com as Abelhas (Tell it To The Bees)

De: Annabel Jankel. Com  Anna Paquin, Holliday Granger, Gregor Selkirk e Kate Dickie. Drama / Romance, Reino Unido, 2018, 107 minutos.

Ainda que o filão do "romance lésbico" possa estar ficando meio batido, admito a vocês que gostei desse Fale com as Abelhas (Tell it To The Bees). Não é um filme inesquecível mas, ok, é uma sessão agradável e bem feita, por mais que não evite alguns clichês do gênero. A trama nos joga de volta para meados dos anos 50, numa pequena cidade da Inglaterra, onde a jovem industriária Lydia (Holliday Granger) se esforça para se manter e para criar seu filho. Um acidente faz com que ela tenha de levar o pequeno Charlie (Gregor Selkirk) para que este receba os cuidados da médica Jean (Anna Paquin), que está retornando a sua terra natal para tocar a clínica de seu pai. Entre as duas nasce uma amizade. Que se transformará em algo a mais quando Lydia for despejada pelo senhorio após perder o emprego, sendo em seguida contratada por Jean para ser uma espécie de governanta improvisada de sua ampla e bela casa.

Mas nós estamos falando dos anos 50, não esqueçamos - e se hoje em dia ainda existe muito preconceito por aí, em meados do século passado era ainda pior. Nesse sentido, a obra da diretora Annabel Jankel nos fará percorrer todas as etapas do enfrentamento à intolerância, vinda de todas as partes. Para a família de Lydia - seu ex-marido e sua ex-cunhada -, a vergonha de criar um filho em um ambiente em que duas mulheres compartilham uma casa, será motivo de desavenças. Para a população em geral, a "má fama" de Jean, que teria se envolvido com outras mulheres no passado, escancarará a hipocrisia das famílias de bem, cheias de segredos obscuros e de comportamentos questionáveis, mas que não hesitarão em direcionar todo o seu ódio ao casal. É bastante melodramático, eventualmente meio excessivo, e por mais que Paquin e Granger não tenham lá tanto carisma, a gente torce para que as coisas deem certo ao final.

Bom, nessas horas talvez vocês estejam se perguntando (ou não) "onde entram as abelhas nessa história"? Bom, as abelhas tem um papel relevante, meio metafísico, que confere à narrativa um componente de flerte com o realismo fantástico. Tendo a apicultura como hobby, Jean possui várias colmeias junto ao pátio de sua propriedade. Em conversas com Charlie - e a amizade de ambos é uma das coisas bonitas da história, o que gerará também boas reviravoltas -, ela revela ser possível "conversar" com esses importantes insetos, afirmando que seus movimentos poderiam ser influenciados por isso. Trata-se na realidade de uma antiga lenda europeia, que dá conta da importância de contar segredos as abelhas, sendo que estes seriam preservados já que elas jamais voam para muito longe. Nesse sentido, aquilo que poderia ser meramente convencional ganha mais força - e as imagens do manejo dos enxames estão entre as mais bonitas e bem fotografadas da obra.

Só que, em meio à beleza, o filme também não abre mão de colocar o dedo na ferida, abordando temas importantes aqui e ali - caso do estupro e até mesmo o aborto, além da homofobia e da misoginia -, sem disfarçar o caráter dissimulado daqueles que se apresentam como bastiões da moral e dos bons costumes. E eu, sinceramente, não me importo quando um filme assim é tão expositivo, porque às vezes o óbvio precisa ser escancaradamente reforçado, especialmente em tempos em que as pessoas ainda tem dificuldade em reconhecer as múltiplas possibilidades de núcleos familiares. Compensando uma ou outra deficiência na atuação - acho incrível como a Anna Paquin não consegue ser "natural" nas suas caracterizações -, a película é primorosa em sua parte técnica, do desenho de produção à fotografia, que é acinzentada naquele estilo Billy Elliot (2000) de melancolia. Com ternura e força em igual medida, a obra ainda aposta em um final meio em aberto, mas que acena para a importância da luta por uma sociedade mais justa, igualitária e que respeite as diferenças.

Nota: 7,5

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