Aconteceu uma situação meio curiosa na hora de escrever esse Lado B Classe A. Estava revisitando os discos lançados pela sueca Lykke Li na intenção de produzir um texto sobre o ótimo Wounded Rhymes, o segundo registro da artista, que completa dez anos de vida agora em fevereiro de 2021. Pra quem não está ligando o "álbum à figura", o Wounded Rhymes é o trabalho que conta com o inesquecível hit I Follow Rivers - sim, acredite, já faz uma década que você começou a cantarolar o refrãozinho I, i follow, i follow you / deep sea baby. Eu tenho esse hábito para esse quadro, especialmente pela fato de análise musical não ser o meu forte. Gosto de ouvir e de ouvir de novo. Gosto de perceber as variações do artista ao longo da carreira, quais foram as pequenas alterações, os avanços, como foi o amadurecimento (ou não). Só que nesse processo acabei constatando que o melhor disco da cantora é mesmo o I Never Learn, lançado em 2014. Sim, o que era uma coisa virou outra. E cá estamos pra subverter a lógica.
Com uma nota de aceleração um pouco mais baixa do que no trabalho anterior, em I Never Learn a artista consegue nos transportar como poucas vezes para o cenário gelado de seu País de origem, mas sem abandonar o caráter enérgico da coisa toda. É como se a melancolia da nevasca fria e entristecida à moda do livro A Desumanização do Valter Hugo Mãe, encontrasse as pistas mais dançantes de uma Robyn (se não estou viajando). As variações entre o caráter mais introspectivo e a desinibição podem até ser marcantes, mas em geral o que se sobressai é a ambientação mais reflexiva, ponderada, quase meditativa. O que pode ser percebido pelas melodias que trafegam em meio a acordes econômicos, sintetizadores nunca exagerados e pianos discretos, que se equilibram de maneira perfeita com o vocal que, eventualmente, beira o tímido (ou até o sussurrado). Gestada para as pistas, Li preferiu recuar nesse trabalho: aos 28 anos a gente amadurece e a energia de outrora dá lugar a outras formas de se expressar.
Exemplo desse expediente pode ser percebido, por exemplo, na ótima Silverline - uma das minhas preferidas do disco. Começando de forma bastante discreta, com uma melodia evocativa, etérea, onírica, a canção sobe até uma "leve" explosão no gracioso refrão, com a voz da artista funcionando como uma extensão vocal quase natural. O flerte com estilos como new age - os arranjos, ainda que invernais, soam bucólicos, majestosos -, é replicado em outras músicas como a grandiosa No Rest For The Wicked que, novamente, nos transporta para uma ambientação mais gelada - algo reforçado pela letra que versa sobre solidão. Aliás, sobre as letras, elas representam um grande avanço em relação aos dois trabalhos anteriores, já que os dilemas românticos que resultam de uma dolorida separação, surgem em versos bastante diretos e sem firulas, como por exemplo nos títulos autoexplicativos de músicas, como, Never Gonna Love Again e Love Me Like I'm Not Made Of Stone. Aliás, o próprio título do trabalho dá conta disso.
Nesse sentido, ao mencionar o tipo de arranjo produzido por Li em suas nove músicas e pouco mais de 32 minutos de duração do disco, o crítico da Pitchfork Ian Cohen destacou como a percussão parece, em alguns casos, "bater e bater como um coração defeituoso". Aliás, o quase sempre exigente site concedeu ao trabalho uma honrosa nota 8,4, qualificando como Best New Music e destacando a abordagem da "composição como um teatro musical, que parece ser criado por algo diferente de uma simples banda", algo reforçado pelos "violões dedilhados de maneira incômoda e pelos acordes de piano ressonantes ampliados pela textura e pelo talento dramático". "Graças à produção cavernosa, a imagem mental duradoura de I Never Learn não é Li caindo sobre um copo de uísque, mas sim deixando respirar feridas frescas, checando o som sozinha em uma arena vazia", prossegue Cohen em sua análise. Não é por acaso que o registro foi figurinha fácil nas listas de melhores daquele ano, sendo lembrado nas relações da Billborad, Consequence Of Sound, Vulture, PopMatters e da própria Pitchfork. Uma pena que Li não tenha conseguido manter o alto padrão no irregular So Sad So Sexy (2018). Mas ela continua com crédito.
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