terça-feira, 20 de novembro de 2018

Cine Baú - Perdidos na Noite (Midnight Cowboy)

De John Schlesinger. Com Dustin Hoffman, Jon Voight, Sylvia Miles e Brenda Vaccaro. Drama, EUA, 1969, 113 minutos.

Um dos mais surpreendentes, debochados e absolutamente excêntricos filmes a ter faturado a estatueta máxima no Oscar, o clássico Perdidos na Noite (Midnight Cowboy) segue sendo uma comédia imperdível que vai no limite do absurdo na abordagem do desmantelamento do "sonho americano". Ao som da insinuante Everybody's Talkin', interpretada por Harry Nilsson, somos apresentados ao texano Joe Buck (Jon Voight, em sua estréia como ator), que está se mudando para Nova York onde acredita que mulheres ricas estarão dispostas a pagar para fazer sexo com ele. Sim, ele quer se aproveitar do fato de ser jovem, loiro e bonito para faturar uma grana como garoto de programa na cidade grande.

Só que não demora muito para que a realidade bata na cara de Joe: após uma frustrada primeira tentativa como michê, a sua cliente fica decepcionada ao descobrir a "profissão" do rapaz. Tudo piora após ele conhecer o trambiqueiro Enrico Ratso Ricco (Dustin Hoffman, em inesquecível caracterização), que lhe promete um bom empresário em troca de 20 dólares. É claro que tudo não passa de balela - Ratzo pega a grana e some do mapa -, restando a Joe uma descida ao fundo do poço que culminará em uma fracassada sessão de prostituição gay. Empobrecido, solitário (e furioso), Joe vagará pelas ruas da cidade onde reencontrará Ratso. Após o desentendimento inicial, ambos passarão a morar juntos em um decadente prédio do subúrbio, onde tentarão de todas as formas tocar a vida, mantendo a esperança por dias melhores.



Marca dessa obra-prima do diretor John Schlesinger (que nunca mais emplacaria um sucesso como este), o sentimento de melancolia generalizada é o que rege a película. Joe vai em uma espiral autodestrutiva que culmina na necessidade de ter de ajudar aquele que, no fim das contas, se torna o seu único amigo (e Ratso passa por uma série de problemas de saúde durante o filme). Em cada investida, um tropeço. Em cada nova tentativa, uma queda. Não é por acaso que cenas como aquela que mostram Ratso tendo devaneios com acalorados dias na Flórida, com pompa e boa vida, não são nada menos do que desalentadores. Se há uma dupla improvável nesse mundo em que absolutamente NADA do que eles desejam dará certo, estes são Joe e Ratso.

Ainda assim, mesmo que a tônica geral da obra seja de desconsolo - há ainda os flashbacks perturbadores do passado envolvendo Joe -, ela jamais apela para a dramaticidade excessiva. O clima de otimismo surge, aqui e ali, seja em alguma boa piada - como no caso do outdoor que lembra os motoristas sobre a importância de trocar o óleo (o filme tem o sexo como pano de fundo, afinal) - seja em sequências que beiram o delírio ou o absurdo, como naquela em que a dupla vai parar em uma bizarra festa ao estilo daquelas promovidas por Andy Warhol. Com clima de literatura pulp e edição absolutamente ágil, a película também diverte nas cenas de sexo (como no caso da sequência em que um controle remoto fica embaixo dos corpos em movimento, provocando aleatórias trocas de canal).


Com grandes interpretações - Sylvia Miles foi indicada ao Oscar, sendo que ficou menos de 10 minutos em cena, assim como Hoffman e Voight, que também foram lembrados - o filme também concedeu a Schlesinger e ao roteirista Waldo Salt, as estatuetas em suas categorias. Na principal premiação, Perdidos na Noite deixou para trás obras-primas como Butch Cassidy e Z (aquele do Costa-Gavras). No livro 1001 filmes Para Ver Antes de Morrer é lembrado, o mesmo valendo para a lista de 100 Maiores Filmes da História, elaborada pelo American Film Institute (AFI), que lhe concedeu um honroso 36º lugar. Todas essas são ótimas credenciais, claro. Mas a maior delas segue sendo o fato de que o filme envelheceu muito bem e segue sendo um verdadeiro líbelo sobre pessoas excluídas tentando encontrar o seu lugar no mundo.

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