quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Pérolas da Netflix - O Autor (El Autor)

De: Manuel Martín Cuenca. Com Javier Gutierrez, María Leon e Antonio De La Torre. Comédia / Suspense, Espanha / México, 2017, 112 minutos.

Ainda que não tenha necessariamente uma boa ideia em mente, o sonho de Álvaro (Javier Gutierrez) é ser escritor. Mas não qualquer escritor e sim um escritor de alta literatura - longe da picaretagem que é oferecida nas vitrines de pomposas livrarias de shoppings nos dias de hoje. Para tentar alcançar o seu objetivo, o sujeito frequenta aulas de técnica e estilo literários já faz três anos. Nesse meio tempo, assiste ao repentino sucesso da esposa Amanda (María Leon), que está vendendo o "melhor livro de todos os tempos da última semana". Como se já não bastasse estar com o ego ferido pelo fato, ele ainda precisará lidar com a traição de Amanda e com um emprego burocrático que lhe consome e lhe deixa infeliz. É ao sair do emprego, se separar e se mudar para um condomínio, que o protagonista de O Autor (El Autor) - boa surpresa da Netflix - tentará ir atrás do seu sonho. Tentará pois, todos sabemos, o mercado editorial talvez seja uma das coisas mais difíceis do mundo.

Os primeiros manuscritos apresentados ao seu professor (Antônio De La Torre) após os fatos ocorridos, receberão uma humilhante"crítica construtiva". Esbravejando, o docente não apenas considerará a escrita de Álvaro falsa, vazia e pretensiosa, como praticamente suplicará a ele que escreva com alma. Com coração. E que procure sua escrita na realidade. Lá fora. Vivendo a vida! "Se for preciso, escreva sobre o último bife que comeu! E se tiver com bloqueio faça como Hemingway: escreva pelado e com as bolas dispostas sobre a mesa". Não é preciso dizer que esta é uma das cenas mais divertidas da película. Mas que representará para o protagonista o início de uma reviravolta. Sim, ainda não há ideias concretas e vigorosas. Mas elas surgirão imediatamente após Álvaro começar a interagir com os seus vizinhos, influenciando diretamente em suas vidas. Assim, perceberá que os conflitos reais envolvendo alguns deles, poderão ser importantes para o desenvolvimento da narrativa.



Interessante notar como, a despeito desta ser uma despretensiosa comédia espanhola, o diretor Manuel Martín Cuenca utiliza as cores e os sons de forma simbólica dentro do contexto da narrativa. Se o apartamento absolutamente branco e despido de móveis do postulante a autor são a metáfora quase óbvia para as páginas alvas que começarão a ser preenchidas, a paleta de cores sombria do banheiro em que ele espiona um suspeito casal de vizinhos equatoriano, indicará a formulação de uma trama com alguma dose de surpresa e suspense. A gravação das conversas dos mesmos vizinhos, como se as vozes pudessem ser ouvidas DENTRO do apartamento de Álvaro também poderão significar o fato de que a história finalmente ganha vida em seu ambiente de trabalho. Um tipo de barulho bem diferente do zumbido impertinente de um velho ventilador, escutado no começo do filme, e que servia, invariavelmente, como um atestado do caos interior vivido por Álvaro naquele momento.

Sim, provavelmente O Autor não será aquele tipo de filme que renderá gloriosos debates ao final da sessão - apesar das boas, surpreendentes (e divertidas) reviravoltas -, mas esses pequenos cuidados no que dizem respeito a mise-en-scène, a composição dos quadros ou mesmo do estilo, é que valorizarão a experiência. Estamos falando, afinal de contas, sobre uma obra que versa sobre o fazer artístico. E sobre um "livro" que está em andamento e que poderá ser mudado, inesperadamente, de acordo com os eventos que acontecem com cada personagem. Há o casal de vizinhos equatoriano. Há um idoso que guarda uma boa quantidade de dinheiro. Há a síndica que se apaixona por Álvaro. S´que o mais legal é que nem todos poderão ser manipulados a seu bel prazer, afinal de contas, todos sabemos que as histórias, fictícias (ou reais), podem ter finais surpreendentes!

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