terça-feira, 11 de setembro de 2018

Tesouros Cinéfilos - Sangue Negro (There Will Be Blood)

De Paulo Thomas Anderson. Com Daniel Day-Lewis, Paulo Dano e Russel Harvard. Drama, EUA, 2007, 158 minutos.

Parece haver um permanente clima de tensão no ar, conforme se descortinam os eventos vistos no ótimo Sangue Negro (There Will Bem Blood). É como se algo estivesse sempre prestes a explodir - o que, metaforicamente, pode ser simbolizado pelo petróleo que jorra a cada nova escavação encenada. Talvez seja o deserto palpavelmente escaldante. Ou a trilha sonora caótica e dissonante (cortesia do guitarrista Johnny Greenwood, do Radiohead). Ou mesmo as personagens de modos duros, secos e que se mostram o tempo todo individualistas, inescrupulosos e, invariavelmente, ambiciosas. O caso é que a película de Paul Thomas Anderson (Magnólia) - baseada no livro Oil, de Upton Sinclair - é daquelas que deixa um gosto amargo na boca. E que reúne uma coleção de figuras que, para nós espectadores, é muito mais fácil odiar do que qualquer outra coisa. Em resumo: é um filme capaz de nos deixar exaustos ao final da projeção.

A narrativa nos joga para a fronteira da Califórnia, na virada do século 19 para o século 20. É lá que somos apresentados a Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis), um rico empresário do ramo da mineração, que fica sabendo da possível existência de petróleo na pequena cidade de Little Boston. Como forma de persuadir a comunidade local para que possa iniciar as escavações que beneficiarão a matéria-prima, ele apresenta um projeto digno de político em período de campanha eleitoral: construirá estradas e escolas no local, fortalecerá a agricultura e gerará emprego e renda. Em troca, os proprietários das terras em que estão os minérios lhe darão as concessões para que os investimentos possam ser feitos - recebendo também uma boa quantia de dinheiro na jogada. É claro que nem todos os moradores aceitarão a história numa boa - especialmente o pastor Eli Sunday (Paul Dano), sujeito ganancioso e mesquinho que utilizará a religião como uma espécie de "moeda de troca".



Nesse sentido, um dos maiores prazeres de Sangue Negro será o de assistir o embate entre Daniel e Eli - que nada mais será do que o confronto entre a tecnologia e o capitalismo e o conservadorismo e a fé. Day-Lewis e Dano estão especialmente inspirados, e entregam caracterizações que vão no limite do cinismo, do deboche e da hipocrisia para as figuras que interpretam. Se Plainview não hesitará em, literalmente, utilizar uma criança (que ele finge ser seu filho, mas não é) como desculpa para comover aqueles que ele busca persuadir, Eli se aproveitará de seus agitados sermões para expurgar o "mal" e os demônios que rondam a comunidade - e que a perfuram em busca de petróleo. Todos conhecem afinal o valor daquele líquido que jorra por baixo de seus pés e todos desejam tirar proveito daquilo de alguma forma, num contexto em que não há vitoriosos, especialmente em um universo em que a cobiça é o sentimento reinante.

Alternando sequências longas e mais contemplativas, com outras mais movimentadas e cheias de ação, o diretor ainda consegue explorar as paisagens desérticas de forma perfeita, transformando-as, também, em uma espécie de personagem sempre presente na vida daqueles que assistimos em tela - e que formam o combo perfeito para um retrato da ganância (e até da paranoia) daqueles que viriam a antecipar o modelo conhecido como american way of life. Se hoje em dia não surpreendem discursos meritocráticos que costumam valorizar excessivamente os vitoriosos de espírito essencialmente empreendedor, o filme de Anderson se ocupa em mostrar parte da origem desse sentimento, capaz de fazer com que se ignorem até mesmo as mortes decorrentes de severas condições de trabalho, já que está em vista um "bem maior". Em meio a cenas engraçadas e inacreditavelmente nonsense - como aquela que vemos em uma pista de boliche em uma mansão - há também uma crítica a um modelo que se aplica até hoje e que, no fim das contas, prejudica apenas um lado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário