quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Cinema - As Herdeiras (Las Herederas)

De: Marcelo Martinerssi. Com Ana Brun, Margarita Irún, Ana Ivanova e Maria Martins. Drama, Paraguai / Alemanha / Noruega / Brasil / França / Uruguai, 2018, 98 minutos.

As Herdeiras (Las Herederas) é um filme que aposta na sutileza para apresentar a jornada de transformação de sua protagonista. Ao invés da janela escancarada, a fresta. Ao contrário da gargalhada farta, o sorriso de canto de boca. Sai a luz ostensiva entra a penumbra melancólica. Há muita sugestão e pouca obviedade - sensação reforçada pelo contexto em que todas as personagens estão inseridas. A trama, dirigida por Marcelo Martinessi, gira em torno de Chela (Ana Brun) e Chiquita (Margarita Irún) que vivem em uma casa opulenta (ainda que decadente) de um bairro rico no Paraguai. Herdeiras de famílias abastadas, vendem seus bens como forma de equilibrar as finanças. Tudo muda quando Chiquita é presa por sonegação fiscal e Chela se vê sozinha, sem a companheira de muitos anos (aliás, é nos detalhes que percebemos que ambas são um casal, já que parece haver um claro distanciamento emocional entre elas).

Diante dessa "novidade" em sua vida, Chela é surpreendida, certo dia, por um pedido da vizinha Pituca (Maria Martins): lhe conduzir até o subúrbio para um jogo de cartas envolvendo senhoras ricas e mais preocupadas com a vida dos outros do que com as suas próprias. Será nessas idas e vindas - como uma espécie de Uber da terceira idade - que Chela conhecerá a interessante Angy (Ana Ivanova). Angy é mais nova e é um espírito livre. Tem relacionamentos fracassados, mas tem personalidade forte. E isto tudo interessará Chela, que projetará nela a vida que, certamente, nunca teve. A cada carona para Angy auxiliar a sua mãe em um tratamento de saúde em um bairro localizado fora da cidade, a intimidade entre elas aumentará. Ao passo que cada visita torta a Chiquita, na prisão feminina em que esta se encontra, lhe distanciará cada vez mais da parceira.



O filme utiliza algumas metáforas que podem parecer até óbvias mas que, dentro da narrativa, funcionam de forma eficiente. A casa decrépita que vai perdendo os seus objetos - mesas, quadros, aparelhos de jantar -, vai dando lugar a um ambiente vazio mas surpreendentemente novo, como se também no íntimo da protagonista ela fosse impelida a se desfazer daquela vida que não lhe é mais suficiente, saindo da zona de conforto. Nesse caso a mansão vazia funcionando como uma representação da renovação. Da mesma forma, as roupas discretas e sem vida da Chela casada (e acomodada) vão dando lugar as vestimentas mais coloridas, leves e primaveris, que dão conta do estado de espírito da mulher, a cada novo encontro com Angy. O carro que circula pela cidade (e sai da garagem em certa altura da película) também reforça a ideia de que estamos diante de alguém que está mudando sua forma de pensar, seus interesses e prioridades - e, vamos combinar, nunca é tarde pra viver a vida.

Como um filme paraguaio - aliás, já falamos por aqui sobre a escassez de películas vindas desse País - as diferenças sociais e os contrastes entre as famílias mais abastadas e as mais pobres beiram o constrangimento (e, nesse sentido, ponto para a atriz Maria Martins, que transforma a sua Pituca em uma figura absolutamente escabrosa). Por outro lado, todas essas nuances - o homossexualismo, as políticas que privilegiam ricos - são apresentadas de forma discreta, oblíqua, quase de canto de olho (como ocorre em alguns enquadramentos). Dramático e divertido em igual medida, As Herdeiras reúne ainda uma verdadeira coleção de prêmios mundo afora - em Gramado foi Melhor Filme do Jurí Oficial, além de ter faturado os prêmios do Público e da Crítica e em Berlim Ana Brun foi agraciada com o Urso de Prata na categoria Melhor Atriz. O que definitivamente, não é pouco.

Nota: 8,0

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