Uma Questão Pessoal (Una Questione Privata) ficará para sempre na memória dos cinéfilos como a obra derradeira dos Irmãos Taviani, já que Vittorio faleceu no último mês de abril, cabendo a Paolo a conclusão da película. E, ainda que o filme não seja nenhum Pai Patrão (1977) - clássico que rendeu à dupla a Palma de Ouro no Festival de Cannes -, pode-se dizer que trata-se de uma obra de grande sensibilidade estética e que discute, como é de praxe na filmografia dos Taviani, temas relevantes em meio a algum cenário de opressão. Aqui, a narrativa nos joga de volta para a Itália da Segunda Guerra Mundial para contar a história de Milton (Luca Marinelli), jovem membro da Resistência Italiana, que luta clandestinamente contra o avanço do fascismo.
Só que ao parar na casa da antiga namorada, de nome Fulvia (Valentina Bellè), Milton descobre não apenas que ela se mudou para longe para fugir dos horrores da guerra, mas que ela pode também ter se envolvido com o seu melhor amigo, Giorgio (Lorenzo Richelmy). Decidido inicialmente a ir atrás de Fulvia, Milton muda de ideia no meio caminho ao saber que Giorgio foi capturado pelas tropas inimigas após uma emboscada. Sua intenção agora é localizar o paradeiro do amigo. Para isso ele cruza literalmente de um lado para atrás de grupos de partisans - que lutam, paradoxalmente, contra a Guerra -, que possam estar de posse de algum fascista, que lhe servirá de "moeda de troca". E é aí que entra a tal "questão pessoal" do título original, já que não sabemos se Milton deseja apenas reencontrar o melhor amigo ou se ele quer mesmo é tirar a história a limpo.
Nesse sentido o filme guarda uma grande beleza, já que a guerra fica em segundo plano, em prol da resolução de questões particulares. Para cada tentativa frustrada de Milton no front de batalha, há um (elegante) flashback que volta no tempo para mostrar como era a relação do trio, antes do começo de tudo. Como um contraponto as paisagens frias da guerra - há sempre um incômodo nevoeiro no cenário - há as cores quentes e primaveris do passado, quando o trio ouvia música, fazia aulas de dança e conversava em inglês. Fulvia parecia realmente dividida entre alguém mais sensível e extrovertido e alguém mais carismático e introspectivo e, é preciso que se diga, a obra utiliza a canção Over The Rainbow, de Judy Garland (trilha do filme O Mágico de Oz), de forma eficiente e absolutamente fluída.
A propósito do som, a edição e a mixagem também merecem destaque e a utilização de rimas sonoras - como aquela que envolve um soldado que simula tocar bateria fazendo os barulhos da percussão com a boca para, em seguida, ser fuzilado, sem que saibamos onde terminou um som e começou outro - conferem um toque especial a narrativa. Aliás, sobre essa cena, ela também tem importância por evidenciar os absurdos da guerra, já que os jovens que lutam uns contra os outros parecem não ter o real entendimento do que está por trás da brutalidade da batalha (e uma cena em um paredão de fuzilamento, no terço final, parece consolidar essa ideia). Condição reforçada por uma câmera que não hesita em realizar closes - e assim reforçar as angústias. É evidente que o legado dos Irmãos Taviani é maior do que a sua obra final. Mas como filme derradeiro, Uma Questão Pessoal é mais um exemplo do cinema levemente provocador, surpreendentemente nonsense e totalmente relevante da dupla.
Nota: 7,5
Nenhum comentário:
Postar um comentário