terça-feira, 3 de julho de 2018

Cinema - Hereditário (Hereditary)

De: Ari Aster. Com Toni Collette, Milly Shapiro, Gabriel Byrne e Alex Wolff. Terror, Estados Unidos, 2018, 127 minutos.

De tempos em tempos algum filme chega para balançar as estruturas e mobilizar a comunidade cinéfila, polarizando opiniões a respeito da película. Foi assim com Anticristo e Mãe!, para citar algumas obras que, ao fundir o terror com um subtema mais complexo e muitas alegorias, decepcionaram aqueles que buscavam sustos fáceis e uma narrativa mais convencional. Por sinal, criou-se o termo "pós-horror" para enquadrar os filmes que, em detrimento dos jump scares, se preocupavam mais em criar um sentimento de inquietação no espectador, desenvolvendo calmamente um clima de ameaça constante e a identificação com as personagens, de forma a ampliar o sentimento de horror. E é esse o clima do super comentado Hereditário, filme de estreia do diretor Ari Aster.

Pegando carona no sucesso de crítica que obteve no Festival de Sundance e relatos de pessoas que saíram perturbadas das sessões, criou-se um hype que favoreceu a divulgação do filme mas, ao mesmo tempo, fomentou uma expectativa exagerada naqueles que foram ao cinema esperando por uma experiência aos moldes de à época em que O Exorcista ou O Bebê de Rosemary foram lançados - obras a qual é frequentemente comparado. Concomitantemente, a expectativa dividiu opiniões: enquanto a crítica tem tecido diversos comentários elogiosos, o grande público não parece muito contente com a forma pouco convencional que a história é contada e que frustra quem vai ao cinema na busca de um entretenimento escapista. O que temos aqui é grande cinema, meticulosamente planejado em seus detalhes e assombroso (nos melhores sentidos) para um filme de estreia.


Na trama vemos uma família que, sob o luto do falecimento de sua matriarca, passa a ter que lidar com diversos acontecimentos perturbadores ligados a um tipo de ritual satânico. A mãe Annie, representada maravilhosamente por Toni Collete (a mesma de O Sexto Sentido e que, presume-se, tem grandes chances de novamente estar presente na temporada de premiações), trabalha construindo miniaturas para galerias de arte e também representando acontecimentos de sua vida - um recurso narrativo interessante que proporciona transições elegantes em diversas cenas, além de criar novas camadas interpretativas ao que vamos vendo na tela. Collete também vivencia um arco dramático bastante intenso, e em pelo menos duas cenas podemos ter a dimensão exata de seu brilhantismo como intérprete. Enquanto o marido Steve (Byrne) é o porto seguro, os filhos Peter e Charlie (Wolff e Shapiro, respectivamente) são as faces mais vulneráveis e suscetíveis aos terríveis desígnios que lhes serão destinados.

É óbvio que as sensações promovidas pela obra não seriam possíveis se não fosse o brilhantismo técnico de sua produção: seja na direção precisa que soube extrair o melhor das interpretações de seu elenco, na trilha sonora e no design de som que ampliam a imersão naquele clima inquietante (e que é amplificado quando experimentado na sala de cinema), passando pela fotografia e direção de arte que, nos cenários, fornecem diversas pistas sobre o que está por vir, sem subestimar a capacidade de interpretação de seu público. O que não significa que o filme seja hermético, pelo contrário - talvez um dos poucos pecados do filme seja o excesso de expositividade, principalmente em seu ato final. 

Diversos são os vídeos e textos dissecando Hereditário, mas nosso objetivo aqui não é dar spoilers e sim despertar a curiosidade por esse filme que merece muito ser visto. Seja do ponto de vista formal quanto pelo despertar de sentimentos desconfortáveis (estes relacionados à suscetibilidade de cada pessoa), é um filme que não nos deixa indiferente e que ficará na lembrança por muito tempo e que não será surpresa se, aos moldes de Corra!, esteja presente nas principais premiações do ano.

Nota: 9,0.



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