sexta-feira, 13 de julho de 2018

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - O Banheiro do Papa (Uruguai)

De: Henrique Fernandes e Cesar Charlone. Com César Trancoso, Virgínia Mendez e Virgínia Ruiz. Comédia Dramática, Uruguai / Brasil / França, 2007, 94 minutos.

O filme O Banheiro do Papa (El Baño Del Papa) não poderia ter um argumento melhor: toma por base um evento ocorrido no pequeno município de Melo - na fronteira do Uruguai com o Brasil - no ano de 1988, para traçar um verdadeiro painel social a respeito da luta diária de um povo para garantir o atendimento de suas necessidades mais básicas, ao passo que utiliza a crença na religião como combustível (e metáfora) para a manutenção da esperança por dias melhores. Na trama, a comunidade de Melo - cidadezinha que convive com altos índices de pobreza - está mobilizada: as notícias dão conta de que a comitiva do Papa João Paulo II fará uma parada no local para a celebração de uma missa. Para os moradores, esta parece ser a oportunidade de utilizar o "turismo religioso" como uma forma de ganhar algum dinheiro. Aguardam mais de 30 mil visitantes somente do Brasil.

Enquanto boa parte dos moradores se organiza, nos dias que antecedem ao evento, para a instalação de barraquinhas para a comercialização de chouriços, bolos, pasteis e massas fritas - ou mesmo outros souvenires, como bandeirinhas, pequenas medalhas e outros badulaques -, o contrabandista Beto (César Trancoso) tem a ideia de instalar, no pátio de sua casa, um banheiro. "Depois de se embucharem as pessoas precisarão se aliviar", argumenta com a esposa Carmen (Virgínia Mendez) que, incrédula, passará a acompanhar a verdadeira odisseia do sujeito para a obtenção de todo o material que lhe possibilitará concretizar a obra. Beto vive de pequenos trambiques trazendo, de bicicleta - e percorrendo cerca de 60 quilômetros diários - produtos do Brasil para o Uruguai, onde entrega armazéns em troca de alguns trocados. A rotina claramente sofrida e a oportunidade que representará a vinda do Papa o fará sonhar. Aliás, todos sonharão, conforme os dias se aproximam.



O filme é absolutamente saboroso ao olhar com total ternura para as personagens. Mesmo com as dificuldades que envolvem o cruzamento da fronteira todos os dias (e a perseguição por parte dos aduaneiros que podem lhe confiscar os produtos), ou mesmo as doenças decorrentes do esforço repetitivo, Beto mantém o otimismo e o sorriso no rosto - e que, no fim das contas, é o otimismo que todos nós carregamos. Longe de ser um sujeito correto - Beto é contrabandista, beberrão e eventualmente reage com violência - o protagonista é uma figura complexa, que busca o melhor pra família a todo o custo e que, raramente, se entrega para as frustrações. A filha Silvia (Virginia Ruiz) sonha em ser radialista e é para isso que a mãe Carmen guarda todas as economias. Mas como conseguir guardar algum dinheiro em um ambiente com tanta pobreza, vulnerabilidade social e necessidade como aquele em que todos vivem? Beto quer comprar uma moto pra melhorar o contrabando - e que representa a sobrevivência de todos. Como conciliar isso?

Está nos livros de história o fato de que a vinda do Papa a Melo não foi aquilo que todos esperavam - falava-se em mais de 60 mil pessoas e, contando os próprios moradores do município, o público não teria chegado a oito mil peregrinos. A Prefeitura e suas obras, a mídia e o sensacionalismo, todos contribuíram para um clima de euforia meio exagerado em meio a aridez palpável e a pobreza extrema do local que, do ponto de vista econômico, definitivamente não se altera. Mas ao mostrar a união das pessoas nos pequenos gestos - como naquele em que o vizinho de Beto garante que fará o trajeto até o Brasil de bicicleta por ele, se ele não puder ou ao sorriso dado pela filha durante os "testes" para o uso do banheiro (em uma das melhores sequências) -, a dupla de diretores Enrique Fernandes e Cesar Charlone constrói uma obra singela, divertida, melancólica, pulsante, sobre o poder da crença, sobre a amizade e sobre outros valores (para além dos econômicos).

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