quinta-feira, 26 de julho de 2018

Disco da Semana - Violins (A Era do Vacilo)

As épocas pelas quais passamos têm o poder de influenciar a produção artística de cada momento, sendo esta uma válvula de escape para expurgar sentimentos e conflitos de forma a proporcionar uma catarse que, coletiva ou individual, traz um efeito terapêutico para qualquer pessoa minimamente engajada ou atenta aos eventos que diariamente nos assolam. Golpes de Estado, perda de representatividade política e de direitos, retrocessos humanitários, intolerância, aumento da miséria e ausência de condições mínimas para a manutenção da dignidade dos mais necessitados, são apenas alguns exemplos das trevas a que nos encontramos atualmente submetidos. Para alguns artistas é simplesmente impossível se eximir, e a banda goiana Violins não deixou por menos, retornando à produção de álbuns com o emblemático - e genialmente batizado - A Era do Vacilo.

Se em 2007 o grupo capitaneado por Beto Cupertino já havia mostrado sua força ao abordar temas mais caros e pesados ao ouvinte no já clássico Tribunal Surdo, não é exatamente uma surpresa que nesta nova obra alguns assuntos em comum voltem a aparecer. A diferença crucial é como estes são abordados esteticamente: se naquele a aura era suja e distorcida com o vocal enterrado na mixagem, neste a produção é mais límpida e, embora as guitarras continuem presentes, a voz aparece com maior destaque, assim como as melodias - o que nos remete ao ótimo Direito de Ser Nada (2011), talvez o álbum mais pop do grupo. Em apenas 10 breves canções todas as qualidades apreciadas pelos fãs da banda estão presentes: refrões, quebras de andamento, pequenos truques eletrônicos que colorem as canções (cortesia do tecladista Pedro Saddi), e as letras sempre competentes de Cupertino.


As letras, por sinal, apostam na simplicidade sem cair no lugar comum dos temas tratados, como na faixa de abertura Brigas de Mão (Passei a ser alvo de brigas de mão / sequer tenho tempo de trabalhar mais / Isso é toda hora onde eu estiver) cuja melodia grudenta do refrão contrasta com as mudanças de andamento de suas demais partes. Deu Ruim Pra Gente é mais linear e conta com uma cozinha maravilhosa, com seu riff de baixo e uma bateria matadora (cortesias de Gustavo Vasquez - que também produz o disco - e Fred Valle, respectivamente). Herói Fabricado, o primeiro single, é uma porrada direcionada para a gente sabe bem quem, aquele tipo de figura que surge de tempos em tempos que, sob pretexto de defender os "homens de bem" e a "justiça", causa danos irreversíveis a toda uma sociedade. Um Homem ou um Amém e Plena Anhanguera talvez sejam as que mais lembrem o supracitado Tribunal Surdo em questão de letra e tema, com as melodias mais violinsianas do disco - e dois de seus pontos altos, diga-se de passagem. O potencial pop está muito bem representado nas faixas Gastura e Vidraças, e não será surpresa se você estiver cantarolando seus refrões por aí sem se dar conta. Água e Sal é talvez a faixa mais elaborada do disco, com muitos detalhes na produção e um clima desesperançoso (Somos assim mesmo a gente evoluiu bem mal / Fomos por acaso um pouco inconsequentes? / Não sei dizer, o que sobrou foi água e sal) que desemboca na bela melodia da melancólica faixa de encerramento voz-e-violão Cronômetros

Não há canções da amor aqui, a era do vacilo em que vivemos parece sufocar qualquer tentativa de olhar ao próximo, de ter empatia - o outro muitas vezes é visto como um inimigo. E quem disse que a Arte sempre tem que ser sobre coisas bonitas para ser bela? (E o que eu faço? Exponho como arte o que é feio, canta Cupertino em Desapareceu). Pegue um punhado de ótimas e criativas letras, envolva-as em melodias cantaroláveis e ofereça suas melhores características a ouvidos sedentos por uma canção que represente os seus anseios, compartilhando sua visão e espanto perante o mundo e pronto: você está acompanhado. Ao lançar uma obra ao vento o artista, mesmo sem saber, acaba por gerar uma frequência que nos conecta em algum sentido. E se isso pode ser lembrado por muito tempo como retrato de uma época que não queremos que jamais retorne, é um mérito maior ainda.

Nota 9,0

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