Se em 2007 o grupo capitaneado por Beto Cupertino já havia mostrado sua força ao abordar temas mais caros e pesados ao ouvinte no já clássico Tribunal Surdo, não é exatamente uma surpresa que nesta nova obra alguns assuntos em comum voltem a aparecer. A diferença crucial é como estes são abordados esteticamente: se naquele a aura era suja e distorcida com o vocal enterrado na mixagem, neste a produção é mais límpida e, embora as guitarras continuem presentes, a voz aparece com maior destaque, assim como as melodias - o que nos remete ao ótimo Direito de Ser Nada (2011), talvez o álbum mais pop do grupo. Em apenas 10 breves canções todas as qualidades apreciadas pelos fãs da banda estão presentes: refrões, quebras de andamento, pequenos truques eletrônicos que colorem as canções (cortesia do tecladista Pedro Saddi), e as letras sempre competentes de Cupertino.
As letras, por sinal, apostam na simplicidade sem cair no lugar comum dos temas tratados, como na faixa de abertura Brigas de Mão (Passei a ser alvo de brigas de mão / sequer tenho tempo de trabalhar mais / Isso é toda hora onde eu estiver) cuja melodia grudenta do refrão contrasta com as mudanças de andamento de suas demais partes. Deu Ruim Pra Gente é mais linear e conta com uma cozinha maravilhosa, com seu riff de baixo e uma bateria matadora (cortesias de Gustavo Vasquez - que também produz o disco - e Fred Valle, respectivamente). Herói Fabricado, o primeiro single, é uma porrada direcionada para a gente sabe bem quem, aquele tipo de figura que surge de tempos em tempos que, sob pretexto de defender os "homens de bem" e a "justiça", causa danos irreversíveis a toda uma sociedade. Um Homem ou um Amém e Plena Anhanguera talvez sejam as que mais lembrem o supracitado Tribunal Surdo em questão de letra e tema, com as melodias mais violinsianas do disco - e dois de seus pontos altos, diga-se de passagem. O potencial pop está muito bem representado nas faixas Gastura e Vidraças, e não será surpresa se você estiver cantarolando seus refrões por aí sem se dar conta. Água e Sal é talvez a faixa mais elaborada do disco, com muitos detalhes na produção e um clima desesperançoso (Somos assim mesmo a gente evoluiu bem mal / Fomos por acaso um pouco inconsequentes? / Não sei dizer, o que sobrou foi água e sal) que desemboca na bela melodia da melancólica faixa de encerramento voz-e-violão Cronômetros.
Não há canções da amor aqui, a era do vacilo em que vivemos parece sufocar qualquer tentativa de olhar ao próximo, de ter empatia - o outro muitas vezes é visto como um inimigo. E quem disse que a Arte sempre tem que ser sobre coisas bonitas para ser bela? (E o que eu faço? Exponho como arte o que é feio, canta Cupertino em Desapareceu). Pegue um punhado de ótimas e criativas letras, envolva-as em melodias cantaroláveis e ofereça suas melhores características a ouvidos sedentos por uma canção que represente os seus anseios, compartilhando sua visão e espanto perante o mundo e pronto: você está acompanhado. Ao lançar uma obra ao vento o artista, mesmo sem saber, acaba por gerar uma frequência que nos conecta em algum sentido. E se isso pode ser lembrado por muito tempo como retrato de uma época que não queremos que jamais retorne, é um mérito maior ainda.
Nota 9,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário