terça-feira, 3 de julho de 2018

Cine Baú - A Malvada (All About Eve)

De: Joseph L. Mankiewicz. Com Anne Baxter, Bette Davis, George Sanders, Celeste Holm e Thelma Ritter. Comédia dramática, EUA, 1950, 138 minutos.

Uma das mais corrosivas críticas aos bastidores do show business, o clássico A Malvada (All Abou Eve) não recebeu catorze indicações ao Oscar por acaso, já que se trata de uma obra-prima com um roteiro engenhoso, cheia de diálogos rápidos e inteligentes e um elenco entrosado, que conta com algumas das melhores interpretações da história do cinema. É um filme completo, divertido, debochado, irônico, sarcástico. Histriônico em alguns momentos. E que parece não envelhecer, já que o tema se mantém mais do que atual. A obra começa mostrando os bastidores de uma premiação em que a atriz Eve Harrington (Anne Baxter) está recebendo a distinção máxima da noite, por conta de uma elogiada interpretação no teatro. Tudo ocorre sob os desconfiados olhares dos demais - entre eles o da veterana atriz Margo Channing (Bette Davis), que não parece nada satisfeita com aquilo que testemunha. Os seus motivos, bom, logo saberemos.

A trama então volta no tempo para nos apresentar a uma Eve Harrington ainda longe dos holofotes. Moça humilde, de vestes simples, de voz baixa e doce - e com uma história de dificuldades - ela acompanha todas as peças estreladas por Margo. Em certa noite, se aproxima de Karen (Celeste Holm) - melhor amiga de Margo e esposa do roteirista Lloyd (Hugh Marlowe) - se apresentando como uma curiosa espectadora, que acompanha todos os movimentos de sua atriz fetiche. Não demora para que Eve esteja morando com Margo, onde passará a trabalhar como sua secretária, se tornando também sua protegida. Ainda que outras empregadas desconfiem das reais intenções de Eve - caso de Birdie (a sempre ótima Thelma Ritter) - Margo parece cega neste "novo relacionamento". "Eve é minha irmã, advogada, mãe, amiga, psiquiatra e polícia" chega a dizer em determinado momento, naquilo que considera uma verdadeira "lua de mel".



Só que não demora para que Margo perceba o verdadeiro jogo sórdido em que está se envolvendo ao constatar que Eve, com sua gentileza excessiva, sorrisos fáceis e polidez permanente, não passa de uma figura dissimulada e hipócrita, que não medirá esforços para alcançar aquilo que ambiciona para a sua ainda nem iniciada "carreira". Margo, com mais de 40 anos, já começa a ver rarearem os papeis que exigem mulheres mais jovens - ao passo que Eve, com sua doce juventude, não hesitará em oferecer os seus serviços no teatro (seja no papel de substituta ou mesmo chantageando amigos de Margo para que estes consigam papeis de destaque para ela). De quebra, Eve ainda conseguirá se aproximar do crítico de teatro Addison Dewitt (George Sanders, mais um grande nome do elenco estelar), tornando-se "amiga" dele e fazendo com que ele lhe escreva colunas favoráveis (o que parecia ser fundamental para o sucesso ou o ocaso de qualquer aspirante naquela época).

Nesse sentido, o filme de Joseph L. Mankiewicz é uma verdadeira coleção de grandes sequências - com várias forças trombando de frente e dirigindo-se palavras não menos do que irônicas e zombeteiras. A longa (e bela) sequência do aniversário de Bill, em que Margo diz a clássica frase "apertem os cintos, essa será uma noite turbulenta", é não menos do que memorável, com tantos diálogos e frases inesquecíveis, que seriam necessárias dúzias de parágrafos para honrá-las em toda a sua perfeição. Já a sequência em que Margo perde uma audição, sendo substituída por Eve é dramática e divertida na mesma medida - com Bette Davis afiadíssima na interpretação, dizendo tanto com as palavras cheias de ressentimentos (e escárnio) quanto com o seu indefectível olhar, melancólico, curioso e capaz de mostrar toda a devastação que lhe invade. Os demais astros do elenco não ficam atrás e não é por acaso que foram cinco as indicações para os atores - com Sanders faturando a estatueta como coadjuvante, Baxter e Davis concorrendo na categoria principal e Ritter e Holm como coadjuvantes.


Com quase setenta anos de seu lançamento, A Malvada segue sendo uma obra-prima metalinguística que serve não apenas como uma análise para o teatro, mas também para o cinema - especialmente pela facilidade com que vemos atrizes mais "veteranas", sendo substituídas por outras mais novas, em um implacável sistema de retroalimentação capaz de aposentar ídolos de uma hora para outra, sem muito ressentimento. Outros filmes, como o espetacular Crepúsculo dos Deuses também abordariam o tema de forma magistral - aliás, uma obra lançada inacreditavelmente no mesmo ano, e que perderia a principal estatueta da noite de premiações para A Malvada. Bette Davis já tinha uma longa carreira de acertos e erros quando gravou o filme - e mais tarde trabalharia em outras grandes obras, como o imperdível (e divertido) O que Terá Acontecido a Baby Jane?. Mas como nada acontece por acaso, a película de Mankiewiz também apresenta uma ainda novata Marylin Monroe em uma inesquecível ponta - também como uma atriz iniciante que tenta seduzir produtores em busca de um papel de sucesso. Algo que ela alcançaria mais tarde, afinal de contas, todos sabemos, a vida imita a arte.

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