terça-feira, 9 de agosto de 2016

Picanha em Série / Pérolas do Netflix - Black Mirror

O serviço de streaming Netflix possui em seu catálogo uma infinidade de séries, tanto originais quanto de outras produtoras, tornando árdua a tarefa de escolher qual delas assistir, visto que a imersão neste tipo de produção demanda tempo e interesse do espectador. Para prender a nossa atenção é importante, além do conteúdo de qualidade, que os episódios possuam ritmo e saibam entreter, fazendo com que queiramos assistir o próximo capítulo assim que possível. E este é definitivamente o caso da série britânica Black Mirror. Lançada em 2012, a série narra, em cada episódio, uma história diferente encenada por atores diversificados. Atualmente, são duas temporadas disponibilizadas, com 3 episódios cada, além de um especial de Natal. O tema? O quanto as inovações tecnológicas podem vir a modificar nosso dia-a-dia de uma maneira nem sempre bem-vinda, com consequências aterrorizantes as quais provavelmente não estaremos preparados para lidar.

Passada num futuro não muito distante, a obra traz questionamentos profundos sobre ética, relacionamentos interpessoais, política, busca pela fama, entretenimento, tudo com uma pontada de desesperança para com a humanidade e um humor muitas vezes chocante e perturbador. Num paralelo com os dias atuais, a perda da humanidade pode ser representada pela substituição do convívio social pela artificialidade da comunicação: seja por WhatsApp, Facebook, Instagram, vivemos um paradoxo no qual a informação está disponível praticamente em tempo real mas os afetos muitas vezes se revelam praticamente através de telas de computadores ou telefones celulares. E ao levar este conceito às últimas consequências é que a série revela todo o brilhantismo de seus criadores, o que fez figuras como o escritor Stephen King a idolatrar e recomendar a obra.


Não é a toa que o conceito de Black Mirror ("espelho negro", em inglês) significa, segundo o roteirista Charlie Brooker, o espelho no qual podemos nos enxergar quando observamos uma tela de televisão ou smartphone desligada. É a imagem do ser humano refletida por dispositivos que dominamos e acabam por nos dominar dia após dia - é só perceber o quanto de tempo passamos em contato com estes produtos tecnológicos. Lembro de ter ficado sem sinal de celular e computador por praticamente uma semana e isto ter me causado um incômodo descomunal, e é justamente este efeito de "drogadição" que faz com que nos tornemos dependentes e capazes de atitudes até então improváveis frente a algo que até pouco tempo atrás não nos era disponível - e saber lidar com isso é um desafio a ser enfrentado.

Se no primeiro e sensacional episódio The National Anthem vemos o primeiro ministro britânico ter sua intimidade exposta, em uma teoria sobre voyeurismo perfeitamente demonstrada de forma chocante, em outros capítulos vemos a crítica aos reality shows (Fifteen Milion Merits), a perda da privacidade e a importância da memória nos relacionamentos (nas DR's, mais especificamente, no episódio The Entire History of You), o senso de justiça e vilania que pode brotar em cada um de nós como forma de entretenimento (White Bear, um dos melhores), a perda de um ente querido e maneiras de enfrentar o luto (Be Right Back), bem como a descrença no sistema político e seus candidatos (The Waldo Moment).


É óbvio que cada episódio guarda muitas camadas a serem desvendadas por quem se aventurar por estas histórias intensas e perturbadoras. Confesso que há tempos não via uma crítica tão mordaz ao sistema que insiste em transformar tudo em um produto a ser vendido e consumido. E justamente por simular seu impacto nas relações humanas em um futuro perfeitamente possível de ser realizado é o que torna a experiência ainda mais visceral e aterrorizante. Uma baita descoberta e uma verdadeira pérola a ser garimpada por quem admira entretenimento com alto teor filosófico e reflexivo.

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