sábado, 6 de agosto de 2016

Disco da Semana - Eduardo da Silva (Abre Alas)

Na hora de escrever uma resenha de disco aqui pro Picanha - ainda que não seja nem músico e nem profissional da área - tenho lá as minhas metodologias. A primeira delas, é ouvir o trabalho em questão pelo menos umas cinco vezes, para que haja uma apropriação dos elementos que compõem aquele registro. Caso a banda ou artista já tenha álbuns lançados anteriormente, procuro anotar em um caderninho as diferenças encontradas entre um lançamento e outro e que possam denunciar a evolução (ou não) do analisado. Se o registro for a estreia, busco as influências, inovações ou contribuições que o material possa apresentar. Tudo feito de preferência com as letras das canções a tiracolo, que denunciarão também a qualidade poética para além da análise do virtuosismo instrumental - que, diga-se, nem de longe é o meu forte. Enfim, mesmo o site sendo pequeno, procuro - e não apenas eu, mas o companheiro Henrique também - extrair todos os elementos que possibilitem uma resenha justa, honesta e puramente racional - nunca tomada pelas emoções. (e nunca é demais lembrar que não recebemos jabá de ninguém, então não teríamos motivo algum para ficar de babação de ovo)

Mas, como fazer quando o disco em questão consiste-se no primeiro registro de inéditas em carreira solo de um amigo de longa data? Oras, analisa-se da mesma forma, com responsabilidade e atenção redobrada - mas sem deixar de ser invadido por um sentimento de plena satisfação (e até de euforia, não vou negar) pelo material escutado e por aquilo que representa. Conheço o Eduardo da Silva - os amigos mais chegados sabem do apelido carinhosíssimo entre os das antigas - há cerca de 15 anos. Entre parcerias de faculdade, bebedeiras e trocas de ideias do período, o mundo, com aquele seu curso normal de sempre, tratou de nos aproximar e afastar na mesma medida. E poder retomar o contato mais "próximo" justamente quando da entrega ao público de um registro tão robusto e recheado de boas surpresas como este Abre Alas, é pra deixar a gente com o sorriso de orelha a orelha.



Silva, como qualquer artista procurando seu espaço nisso que chamamos de "mercado", já tocou cover em barzinho, já fez música em rodinhas de amigos durante a faculdade - sério, parece-me quase palpável a lembrança da gurizada cantando a plenos pulmões o "clássico" gaúcho Fim de Tarde Com Você, dos sempre simpáticos Acústicos e Valvulados, tentando imitar a voz esganiçada do Rafael Malenotti -, viajou, experimentou outros lugares, outras culturas e assimilou sonoridades oriundas dos mais variados pontos. E, nesse sentido, não deixa de ser legar acompanhar um cantor alcançando a maturidade musical com o lançamento de um disco completo e autoral. E que o retira, em partes, desse esquema mais amador, que acaba resultando em escolhas previsíveis para reinterpretações - não me entendam mal, amigos, mas já ouvimos que chega as versões de Não Sei, do TNT -, para apresentar um trabalho não apenas rico em relação ao referencial sonoro, mas também recheado de elementos nunca óbvios e de letras elaboradas e cheias de personalidade.

O cantor - que também compõe - passou uma temporada litorânea em Garopaba, mas isso não significa que a vida é apenas sol, mar, mulherada e locuragem. Promovendo uma mistura sonora em que é possível encontrar, aqui e ali, ecos do rock dos anos 80, de Los Hermanos e de Quentin Tarantino, além de uma pitada de blues e de samba, Silva canta sobre conflitos internos (Dentro de Mim), traumas (Tempos de Guerra), pequenos momentos de alegria (É Tão Fácil) e saudade do que passou aliada a expectativa pelo futuro (Vou Viajar). Sem apelar para refrões fáceis que poderiam garantir a execução segura em rádios locais, o artista da mostras da plena compreensão a respeito do consumo de música nacional na atualidade - em que os interessados buscam muito mais os artistas por aquilo que eles têm a dizer, do que por uma voz plenamente afinada, redondinha ou potente. O que, muito provavelmente, também explique o fato de a maioria dos versos serem cantados em um tom mais baixo ou mesmo sussurrado. O que de maneira alguma reduz o impacto - como podemos perceber na já clássica Estado Laico, que critica, em seus versos, o modus operandi do DEMO praticado por figuras grotescas da política atual, como é o caso do pastor Marco Feliciano.



Ainda que os instrumentos tenham sido gravados todos de forma caseira, jamais o resultado final, que contou com a parceria do estúdio Top Records, parece excessivamente lo-fi ou mesmo "sujo" em excesso. A propósito disso, a segurança para o lançamento do material próprio partiu de conversas e exibições feitas a amigos e conhecidos que iam dando o feedback a Silva. Parceiros próximos como Tobias Kipper (bateria), Matheus Stoll (teclado), Natasha Bouvier (back vocal) e Guilherme Priebe (na letra de Dentro de Mim), também foram fundamentais, de acordo com o material de divulgação do artista, para a constituição do trabalho - que pode ser encontrado gratuitamente aqui. Daqui para a frente é difícil saber que caminho tomará a carreira de Silva. Mas, se levarmos em conta essa amostra inicial, é possível acreditar em voos ainda mais altos.

Nota: 8,3

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