quinta-feira, 21 de abril de 2016

Pérolas do Netflix - Mike Birbiglia (My Girlfriend's Boyfriend)

O artista existe pois tem medo da morte. Não exatamente o medo do evento em si, mas do esquecimento, da falta de identificação, do compartilhamento de suas dores e alegrias com o outro que está à sua frente: é sua maneira de deixar uma porção sua junto à humanidade, sua contribuição ao mundo. São milhares de músicas, filmes, livros, que nunca serão lidos ou sequer conhecidos por aqueles que se beneficiariam disso. A curadoria é algo trabalhoso de ser feito, ainda mais em tempos de tanta informação, ilusão e volatilidade. E esta divagação serve justamente para isso, informar. A comédia talvez seja o gênero mais difícil de ser desenvolvido, já diria Woody Allen. O riso genuíno somente brota de uma identificação com o interlocutor através de suas vivências e, principalmente (e paradoxalmente), suas dores. A catarse em forma de riso, a gargalhada frente ao absurdo da vida, seria um antídoto ao suicídio filosófico tão desenvolvido por Camus, por exemplo.

Ouso dizer que o stand up comedy é uma das formas mais difíceis e desafiadoras de se fazer arte. Uma pessoa, um microfone, um cenário minimalista e uma platéia à frente. O Homem e sua voz, seu corpo, desprovido de figurinos elaborados e efeitos afim de desviar a atenção do que importa: aquela pessoa desnuda de qualquer vaidade expondo-se abertamente em um monólogo que dura mais de hora no intuito de arrancar o riso daqueles que o assistem. E digo mais, não apenas o riso: a compaixão e o entendimento daquilo que está sendo dito. E não falo do besteirol a que estamos acostumados, de piadas machistas, homofóbicas ou coisas do tipo. Tudo extremamente roteirizado para despertar uma reação no público. E quando o roteiro vem recheado de experiências pessoais, tudo ganha um significado ainda mais intenso.


Eis que chegamos ao artista em questão, Mike Birbiglia. Seria redundante citar Louis C.K. como o exemplo maior do gênero (já desenvolvido aqui neste post), mas Birbiglia atinge aqui em seu especial My Girlfriend's Boyfriend um resultado poucas vezes visto - e comovente. É de se admirar a generosidade do "comediante" em compartilhar conosco suas experiências relativas a sentimentos tão difíceis de lidar: a insegurança, as decepções amorosas, as epifanias decorrentes de casualidades que muitas vezes passam desapercebidas pela maioria de nós. E cuja dor, posteriormente transformada em riso, é uma dádiva pronta a ser relembrada por aqueles que a vivenciaram no decorrer de suas atribuladas existências que, num ciclo sem fim, acabam por retornar a qualquer momento. E se Mike é um cara comum, aparentemente meio loser, uma espécie de nerd talvez, com sua camisa social simples e sem nenhum atrativo que nos salte diretamente aos olhos, é no decorrer de seu monólogo que percebemos a riqueza de significados daquilo que está sendo dito e expressado por este nosso companheiro de jornada.

E recomendo, sem dúvida, que o mesmo seja assistido com cuidado e atenção. Nada que está ali é em vão, o riso virá certamente, o humor físico estará lá (você lembrará do "misturador") mas não pense estar assistindo Danilo Gentili, por exemplo. Como dito acima, tudo é criado e roteirizado com início meio e fim. Se tiveres o cuidado de encarar com o respeito que um filme, livro ou uma peça de teatro merece, será recompensado por uma obra sublime cujo desfecho fará amolecer o mais duro dos corações. E não é disso mesmo que precisamos, em tempos de tanto ódio e violência? De um pouco de amparo no outro (pode ser na telinha mesmo) mesmo tratando dos assuntos mais banais e cotidianos? Essa pérola está no Netflix, se puder veja... se não puder baixe, procure algum amigo e compartilhe um pouco mais dessa loucura tão necessária (e saudável) para a continuidade da vida. E isso é lindo. Se nossa escrita neste site existe é justamente no objetivo - talvez nem tão bem sucedido - em deixar uma marca em você, leitor.




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