segunda-feira, 25 de abril de 2016

Lado B Classe A - Black Rebel Motorcycle Club (Howl)

Acho que foi em 2005, ano de lançamento deste disco, que eu me deparei com os caras do Black Rebel Motorcycle Club. Desde então venho tentando expressar em palavras o que senti naquele momento, sem sucesso obviamente. Havia algo ali que eu sentia, mas não sabia exprimir. Ou era muito jovem, ou imaturo, porém sabia que mais cedo ou mais tarde "O" dia iria chegar. De tempos em tempos a bolachinha volta a tocar na minha mente e - mais precisamente agora - nos fones. Pois bem, amigos: o BRMC era uma daquelas bandas guitarreiras que lançavam bons discos com algumas canções que até fizeram algum sucesso nos Estados Unidos. Mas que diabos aconteceu com esses caras pra que lançassem um petardo como esse Howl, terceiro disco de sua carreira?

Com título claramente inspirado na obra homônima de Allen Ginsberg, poeta ícone da geração beat (que não li por sinal), já dá pra se saber que o que vem por aí é algo que só aqueles que desceram (ou tiveram coragem de) às profundezas da alma humana, em seu lugar mais escuro e desesperançoso sabe-se lá em busca de que (redenção? Deus?) irão entender. Ou uma entrega total ao desespero depois de tantas cicatrizes, reflexões, um sucesso passageiro... uma conexão que jamais veio e que se acumulou para quebrar a parede que separava a simples música da arte mais pura e verdadeira. E é verdade o que se encontra nesta obra: então, meu amigo (ou amiga), preste atenção: pegue seu fone com carinho, abra um vinho, feche os olhos, saia um pouco deste seu espaço etéreo e sem vida e me acompanhe.



Estamos em um bar escuro, esfumaçado, as luzes são escassas, os cabelos desgrenhados, pessoas vestem preto e jaquetas de couro. As motocicletas estão estacionadas ali fora mas a chuva as impede de saírem dali. O lance é torrencial mesmo, e não adianta tentar escapar: os violões de aço estão a postos, o bumbo, o pedal, aquele órgão fúnebre, a harmônica. Uma luz discreta brota no palco e só ouvimos aquilo que não queríamos ouvir: time won't save our souls ("o tempo não irá salvar nossas almas") e somos convidados a bater palmas: o bumbo ritmado começa uma batida animadora, shuffle your feet! ("mexa seus pés!") grita o vocalista, é hora de celebrar. Os violões, aquele ritmo animado, a comunhão entre os presentes (poucos), eu me pergunto: o que está acontecendo? Você deve se perguntar também, estamos de volta aos 60, 70, Dylan, Cash e Young poderiam estar bem ali na nossa frente, as cordas de aço batendo e... tudo pára! Aquele órgão ali do canto deve ter sido surrupiado de alguma igreja mais próxima e começa uma melodia que não sei de onde veio nem pra onde vai - e isso não importa. É a faixa título, o uivo que Ginsberg sangrou em palavras, e é tudo tão lindo que poderia parar por aí. É o nosso hino, todos parados inertes se deixando levar pela mágica dos sons e a melodia celestial - poderia ser o fim ali mesmo, aquele momento é tudo que temos e nada mais.

Mas, como não podia deixar de ser, na sequência temos Devil's Waitin' e o lamento dedilhado e sussurrado aos moldes dos melhores trovadores vem nos lembrar da desesperança, dos desamparados, dos irmãos cuja vida deveu muito, daqueles que batalharam e morreram cansados na infinita busca do não sei nem saberei. É o réquiem, a homenagem - e está feita de forma honrada e bela. Mas calma, não há por que temer, as cordas de aço voltam a pulsar junto ao bumbo e a percussão, dá pra bater pé e até dançar, afinal Ain't No Easy Way. Quando aquela gaitinha chega.... pelamor, tem vida ali meu caro! Acompanha, vai... ninguém disse que seria fácil, nem que seria difícil. Só consigo pensar: "que sonzêra do caramba!" Então vem Still Suspicion Holds You Tight pra nos fazer cantar junto e abrir aquele sorriso no rosto mesmo sabendo que temos apenas o que somos - e isto basta. Se basta? Não sei, mas neste exato momento sim, embalado em uma melodia que contagia e conforta. Fault Line vem pra acabar com tudo isso, só sei que me preocupo com aquele cara que está ali cantando aquilo: "man, calm down" eu digo em um idioma em que talvez ele seja capaz de entender. Deve ter algo mais pesado ali naquele lamento, drogas talvez, enfim. Ainda bem que acaba rápido.

Neste ponto já estou acabado, pronto pra fugir dali, encarar a chuva e a escuridão também, mas os primeiros acordes de Promise me fazem mudar rapidamente de ideia. O que é aquele piano, aquela batida, aquela voz esperançosa? Há esperança eu penso. Sim, chegamos e partimos sozinhos, isso é certo... mas o conforto junto a nossos pares (ou aquele par, você sabe do que eu falo) são capazes de mudar tudo - não, não há salvação aqui, apenas um alívio temporário mas que será lembrado mesmo com a nossa partida. Que coisa mais linda aqueles sopros aparecendo lá no fundo, aonde estavam até agora? Claro, como não percebi antes? É justamente pra coroar o momento mais bonito daquela comunhão com aquela pessoa ao nosso lado. Pode rolar até uma reunião dançante daquelas de dançar colado que não cairia mal (embora minha infância traga péssimas lembranças destes momentos - eu fugia de terror! que tolo). "Come on baby let's ride the sunrise, let's light the night", diz a canção. Há esperança. A dança pode continuar com The Weight of the World, este peso mundano que conhecemos tão bem mas que fica tão mais leve quando carregado em par. Temos a chance de poder carregar as rochas juntos, apenas temos que lutar para ser... inteiros. Ok, a mensagem está dada. Não quero mais sair dali, mas preciso. O tempo começa a melhorar lá fora, o fim da chuva, um nascer do sol. Mas tudo bem, há um pouco mais.

Nem todos tem a mesma sorte. Muitos permanecerão abandonados, bêbados, e os dias permanecerão como noites, lembra a banda em Restless Sinner. Onde se apegar então? Será que todos tem a mesma força pra entender o absurdo da vida e louvá-lo mesmo assim? Onde estará Deus nesta hora? Gospel Song vem pra lembrar que sim, há no que nos apegarmos se a nossa solidão não é suficiente, e a banda andará conosco enxugando as lágrimas que vierem, com ou sem Deus. Complicated Situation vem pra me lembrar daquela época em que ouvi estas canções pela primeira vez e não as entendia, é aquele momento onde as articulações crescem, os joelhos doem - por falta de metáfora melhor. Sympathetic Noose lembra um pouco Stones, com aquele violãozinho e aquela batida familiar, nos encaminhando ao final, mas com uma letra que é impossível definir aqui: talvez o lamento de perceber que todos os seus sonhos e expectativas tornaram-se apenas um vazio interior. E é isto que está sendo celebrado este tempo todo não é mesmo? Um querer (ou não querer) sem ser. Aquele momento em que nos vemos perdidos, sem saber pra onde ir ou o que queremos... a beleza intimamente niilista de se deixar levar, se esconder que seja, sabe-se lá do que: talvez nunca saberemos. Mas tudo soa confortavelmente bem, uma armadilha simpática, como o título diz. Que assim o seja se for.



É hora de ir embora. Acho que já foi demais. The Line começa tensa, ah não... lá vem mais. Ou melhor, não. Não sei. A letra diz tudo, não vou reproduzir aqui. Só sei que lamento sair dali (ou melhor, deste lugar que nunca estive) e não poder ser a linha capaz de ser alguma mudança no mundo daqueles que pararam de se importar. Dos que desistiram, dos que tem medo, dos que estão sozinho agora. Eu queria ser. Talvez seja um destes citados. Talvez eu esteja delirando. É só abrir os olhos: tudo voltou a ser como era antes. A comodidade de um lar, uma cama, um cobertor, e só. E a música para salvar nossas almas e nos transportar para lugares mágicos cheios de aprendizado. Talvez seja o mais próximo de liberdade que possamos vivenciar. Talvez.

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