quarta-feira, 20 de abril de 2016

Pérolas do Netflix - A Onda (Die Welle)

De: Dennis Gansel. Com Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt e Jennifer Ulrich. Drama, Alemanha, 2008, 108 minutos.

Na primeira sequência do espetacular filme alemão A Onda (Die Welle) vemos um homem vestido a moda dos skinheads europeus da primeira geração, dirigindo o seu carro e escutando a música Rock'n Roll High School, dos Ramones, a todo volume. O homem em questão é um professor de história de nome Rainer Wenger (Jürgen Vogel), que está indo para o seu primeiro dia de aula no semestre que se inicia no educandário local. A disciplina eletiva que ele gostaria de ministrar era a de Anarquia - se assim ele pudesse escolher. Mas um docente com ares conservadores já chegou na frente, com o objetivo de ensinar a seus alunos que "coquetel molotov é coisa para as aulas de química". Para Rainer sobra a cadeira de Autocracia que ele, a contragosto, - e por claramente não ser identificado com tais ideologias, como descobriremos melhor, mais tarde - decide ministrar.

Como forma de tornar as suas aulas mais atrativas, o docente resolve fazer uma experiência com os seus alunos, que vivenciarão, na prática, o que significa um governo autocrático, em que apenas um sujeito detém o poder político-estatal e o controle absoluto (e ilimitado) em todos os níveis - com direito, inclusive, de alterar leis, se assim achar "necessário". É um sistema claramente fascista, em que impera o autoritarismo, a opressão e a tirania e a violência contra as massas. Digamos que a Ditadura Militar, no Brasil, seria um bom exemplo. Ou mesmo o Nazismo - ao que os alunos reagem com certo ar de deboche ("Sim, o Nazismo era uma droga, já sabemos disso", resmunga um dos estudantes). Mas o professor não está interessado apenas em conversar a respeito do tema. É preciso fazer com que os alunos se envolvam com ele.



O professor Rainer tem a ideia de criar uma espécie de governo autocrático em sala de aula. Local em que deverá imperar a disciplina, o respeito, o controle e o senso de grupo e de liderança. Para falar é necessário ficar de pé - "faz bem para a circulação". Também é preciso pedir a palavra, levantando o dedo. Conforme a semana avança e as aulas vão ocorrendo, os alunos vão incorporando outros signos e comportamentos que lhes identificarão enquanto grupo. O uniforme deve ser uma camisa, sempre branca (não chega a surpreender). Há uma saudação específica - uma espécie de "onda" junto ao peito. Há um símbolo, adornado por revólveres. Os estudantes, que no começo estranham os métodos ortodoxos do professor - que, como líder, deve respeitosamente ser chamado, a partir de agora, de Sr. Wenger - aos poucos passam a gostar da vivência, levando-as para suas rotinas. Sentindo-se com isso fortalecidos. Unidos. E individualistas, preconceituosos, violentos.

Não demora para que os "diferentes" - como aqueles que não utilizam a tal camiseta branca - sejam excluídos pelos colegas. Os que questionam os novos modos do grupo são chamados de traidores. O fanzine estudantil, que reverbera contra aquilo que pensa ser uma "onda fascista", é censurado. Quem não demonstra força o tempo inteiro se torna motivo de chacota. Meninos passam a bater em suas namoradas, quando em desacordo com elas. A violência e a intimidação passam a imperar. Todos começam a curtir a página do "Bolsomito" no Face. Até um deles sacar uma arma, em uma briguinha juvenil com o grupo dos anarquistas. E quando o professor e todo o corpo docente perceberem que chegaram a um limite em que se tornará impossível voltar atrás, só restará para a história a tristeza, a dor, a psicopatia, o sentimento de impotência e a morte, em um choque de realidade poucas vezes visto no cinema - e o fato de o filme ser baseado em fatos reais torna tudo ainda mais impactante.


O cinema alemão se especializou, nos últimos anos, em tentar curar seus traumas, com bons filmes sobre a Segunda Guerra. Em A Onda, essa verdadeira Pérola do disponível no Netflix, consegue isso não apenas com uma trama inteligente, elegante e bem engendrada, mas também de forma absolutamente surpreendente (e sufocante) em seu terço final. Em uma época em que, no Brasil, um deputado federal sobe em uma bancada para endeusar o principal torturador da história do País - sob os aplausos da turba odiosa, racista, fascista, misógina, homofóbica e assassina, a obra do diretor Dennis Gansel deve ser filmografia básica, com seu estilo quase documental a respeito de um eventual retorno do que seriam os novos governos totalitários. Cantam os Ramones em Rock'n Roll High School, Well i don't care about history /Cause that's not where i wanna be. Sim, ninguém quer estar de volta a alguns dos períodos mais perturbadores da história. Por isso, nada melhor do que conhecer o modelo que elas operam. A Onda consegue esse resultado com louvor. É um filmaço.

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