quarta-feira, 27 de abril de 2016

Disco da Semana - M83 (Junk)

Quando Anthony Gonzales do M83 anunciou que seu novo disco, Junk, teria como inspirações séries de TV dos anos 80, como Punky - A Levada da Breca e Who's The Boss, a impressão que ficou, ao menos para parte da crítica "especializada", foi a de que vinha por aí um produto de pouca qualidade. Em última análise, o álbum certamente não seria tão grandioso e sofisticado como os espetaculares (e climáticos, e oníricos, e suntuosos) Saturdays = Youth (2008) e Hurry Up, We're Dreaming (2011). Como se o fato de um registro ser inspirado na parte mais brega de tal década já significasse carregar consigo uma espécie de atestado de pobreza artística. Ainda mais pra quem se acostumou com as construções absolutamente etéreas e sensoriais de Gonzales, bem como com sua capacidade de, apenas utilizando a sua sonoridade marcante, tornar palpáveis as ambientações mais abstratas possíveis. Algo não menos do que notável, por sinal.

A situação não mudou muito quando foi divulgado nome do álbum - Junk pode ser entendido como "lixo" ou como "algo de pouca qualidade" - ou mesmo a capa, em que aparecem bichos de pano multicoloridos (com letras idem), que bem poderiam figurar uma versão alternativa e espacial de séries como Vila Sésamo ou outra do gênero voltada as crianças. Em resumo: Gonzales estava definitivamente interessado em, novamente, abraçar os anos 80. Mas não a porção mais classuda do período - como fizera anteriormente em Hurry Up..., com suas toneladas de sintetizadores capazes de levar o ouvinte a navegar em pistas de dança siderais e modernosas, em meio a filmes de ficção científica descolados da Sessão da Tarde. Não! Estamos falando da parte mais colorida dos anos 80. Talvez a mais kitsch. De roupas e cabelas bregas. Dos Anos Incríveis e do Clube dos Cinco, de John Hughes. Do Erasure. Da mola maria. E das polainas. E isso é ruim? Não. Definitivamente NÃO!



Se analisarmos a canção que abre o registro e que foi o primeiro single, a hipnótica Do It, Try It, perceberemos em meio ao refrão pegajoso e a seus sintetizadores sutis um quê de Pet Shop Boys. Ainda assim isso não significa que a música não tenha algum tipo de personalidade própria ou que tenha sido jogada ali apenas para cumprir "tabela". Ao contrário, o que se nota nessa apropriação oitentista - e certamente íntima daquilo que o cantor tenha vivenciado em sua juventude - é justamente a capacidade de jogar um novo verniz naquilo que já se fez anteriormente e que, hoje, nos move no formato de nostalgia. Sim, Junk certamente não é tão grandioso como Hurry Up... - talvez um dos melhores discos do milênio até hoje lançados. Mas tem sua lógica de funcionamento. Tem o seu conceito em cada curvinha em que parece estarmos diante da abertura daquela série ou programa de TV que amávamos ou da trilha sonora que embalou as nossas brincadeiras de criança ou adolescente.

O disco oscila entre momentos mais alegres e festivos, como em Go! - com sua batida de boate descolada em meio aos vocais etéreos a Passion Pit - na movimentada Road Blaster e em Bibi the Dog - com seu instrumental multicolorido ao estilo dos primeiros trabalhos de Michael Jackson - com outros de menor intensidade como nas minimalistas For The Kids e Atlantique Sud (desde já séria candidata a ser a música do ano). E tudo em meio a uma lógica que jamais desperta qualquer tipo de sensação de irregularidade e ainda contando com diversas participações especiais, entre elas Beck - em Time Wind, outro belo momento, Susanne Sundfor (na sinfônica For The Kids) e a conterrânea Mai Lan, que empresta seu vocal estilo Laura Lavieri (companheira de Marcelo Jeneci) a quatro músicas - entre elas a já citada e linda Atlantique Sud. Um Tira da Pesada, Kenny G, Simple Minds, Amaury Junior, Wess e Dori Ghezzi, Thundercats... está tudo lá dentro, em algum cantinho. E lhes digo, é um reencontro emocionante!

Nota: 8,3

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