segunda-feira, 25 de abril de 2016

Encontro com a Professora - Imitação da Vida (Imitation of Life)

Qual é a cor da felicidade?

Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959), dirigido por Douglas Sirk – o cara responsável pelas melhores lágrimas de Hollywood – traz um elenco estelar: a iniciante Sandra Dee, o galã John Gavin e a superstar Lana Turner. Mas o destaque do filme não é Lana Turner, mas Juanita Moore, a quinta afro-americana a ser nominada a um Oscar e a terceira como melhor atriz.

Temos de admitir que o tema do filme, principalmente para a época, não é simples. Estruturado em dois enredos paralelos, conta a história das mães solteiras Lora Meredith, uma atriz branca desempregada, e Annie Johnson, uma empregada doméstica negra. Elas se encontram, por acaso, na praia. Enquanto suas filhas brincam na areia, Annie, desesperada e sem ter para onde ir, convence Lora de que esta necessita de alguém para cuidar da casa e da filha enquanto procura emprego. A atriz, também em situação difícil, acolhe a outra por piedade.

Enquanto Lora vai se tornando uma artista famosa, Annie segue cuidando da casa e da educação das meninas. Porém, logo os problemas aparecem. Susie, a filha de Lora, cresce cheia de privilégios e suas preocupações se restringem a encontrar o amor. Negligenciada pela mãe, encontra apoio em Annie e em Steve (Gavin), o namorado da mãe, por quem se percebe apaixonada. Este complexo triângulo amoroso, porém, se resolve convenientemente e com muitas lágrimas, bem de acordo com qualquer dramalhão típico da idade dourada de Hollywood.


Mas, como dito, é Juanita Moore que sustenta o filme, na sua relação com a filha. Sarah Jane é uma bela morena e, pela aparência, não revela a ascendência africana. Conhecendo a sociedade racista em que está inserida, tenta evitar, de todos os modos, que os “amigos” saibam que não é branca. Annie literalmente implora o amor da filha e a submissão da personagem incomoda ao longo da narrativa. Por que não reage? Por que ainda se preocupa em recuperar a filha? Por que se encolhe como eterna criada de Lora? São perguntas que perturbam por representar, a princípio, mais uma versão do “negro de alma branca” ou do “bom negro” ao estilo Pai Tomás.

Revisitando a película, no entanto, pode-se perceber Annie de modo diferente. Talvez ela só esteja sendo realista. Prefere recolher-se na igreja, no carinho sincero que sente por Lora e Susie, na incansável tentativa de recuperar a filha e esperar a redenção que não está neste mundo. Apesar da dor, ele entende o drama da filha: como ser negra, tendo pele branca, em um mundo que não aceita negros?


O sonho de Sarah Jane é tornar-se uma grande atriz, mas tudo o que consegue são shows de quinta categoria e, quando descobrem que é negra, demitem-na sumariamente. Ela almeja ao mundo da mãe que gostaria de ter, Lora Meredith, mas as humilhações a obrigam a reconhecer que é, de fato, filha de Annie, negra e pobre. Este é um atrito que não consegue superar, gerando uma luta interior de amor e ódio. Seria mais fácil se Annie desistisse dela, mas o amor incondicional da mãe cava abismos cada vez maiores.

A grande sacada de Sirk é deixar a “batata assar” sem resolver com um final reconciliador ou com um discurso politicamente correto sobre igualdade étnico-racial. Sim, a “solução” acontece – também ao estilo dramalhão – mas não exclui o incômodo. Como se não fosse dramático o suficiente, Sirk acrescenta, ao final, a cereja do bolo, com a presença de Mahalia Jackson. E, quando ela canta Trouble of the world, as lágrimas que ainda restavam caem sem controle. Não só de dor. De homenagem.

Texto: Rosane Cardoso

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