Em uma época em que os discursos de ódio e de intolerância são legitimados na esfera pública por verdadeiras aberrações políticas - caso do deputado federal Jair Bolsonaro, conhecido pelo seu comportamento racista, misógino, machista e homofóbico - filmes como o recém lançado Amor Por Direito (Freeheld), que é baseado em fatos reais, vêm bem a calhar. Nesse caso, a qualidade relativamente questionável do produto final quase fica em segundo plano, dado o impacto da mensagem que se pretende transmitir. A obra do diretor Peter Sollet (do simpático Nick & Norah - Uma Noite de Amor e Música) é sobre a policial Laurel Hester (Juliane Moore), que é diagnosticada com um câncer terminal no pulmão e luta na Justiça para que a sua namorada, a mecânica Stacie Andree (Ellen Page), possa receber os benefícios da pensão após a sua morte.
Em resumo, é um filme que debate a importância da igualdade de direitos entre as pessoas, independentemente de sua orientação sexual. Algo que as autoridades, em uma conservadora Nova Jersey do início dos anos 2000, se recusavam a reconhecer em uma relação homoafetiva. É um argumento atualíssimo, tanto que a Suprema Corte Americana só foi reconhecer o direito de união entre pessoas do mesmo sexo, em junho do ano passado - também como resultado de pequenas ações como a vista na película. Ainda assim, é preciso que se diga que a obra não se constitui em um simples panfleto a favor do casamento homossexual: o cerne da questão está na importância do tratamento igualitário, sem qualquer tipo de distinção para héteros e homossexuais. Ainda que o preconceito fique escondido sob as mais estapafúrdias desculpas - como os excessivos gastos do Estado, por exemplo.
Assim como fez em Para Sempre Alice - que lhe deu o Oscar -, Juliane Moore, com sua já habitual competência, se entrega ao papel de uma mulher doente adotando comportamento sutil e naturalista durante toda a projeção, seja na condição de policial durona ou de companheira dedicada. (e eu só posso crer que ela não foi sequer indicada para as premiações desse ano por conta do tão falado conservadorismo da Academia). Já Ellen Page, que recentemente teve o desprazer de conhecer e entrevistar o "Bolsomito", exagera um pouco nos trejeitos meio "mecânicos" (com o perdão do trocadilho) em sua caracterização - ainda que não deixe de emocionar em momento algum, com uma interpretação que vai da doce insegurança - são tocantes os momentos em que as companheiras se conhecem - até a comovente insatisfação diante dos fatos.
Mas o ponto em desequilíbrio mesmo está na concepção absolutamente histriônica de Steve Carrell como um ativista gay judeu. Ainda que seja eventualmente engraçado, seu personagem promove uma certa quebra desnecessária de ritmo (e até mesmo de expectativa) em relação àquilo que estamos acompanhando. Ao transformar, subitamente, uma obra que se propõe dramática em uma comédia escrachada, Sollett quase consegue a proeza de diluir o impacto de sua narrativa em meio a piadocas de gosto duvidoso e a um exagero quase irritante. O caldo só não entorna totalmente por conta da retomada de rumo ocorrida no terço final, em meio a sequências tocantes de debate público envolvendo os conselheiros do condado (os tais freehelders) e todos os interessados na causa.
Fora o debate da igualdade de direitos, é possível perceber, nas entrelinhas, que o preconceito em relação as mulheres vai para além do deboche em relação ás lésbicas. Nesse sentido, não chega a surpreender o fato de, em uma das cenas iniciais, assistirmos o personagem Dane Wells (o ótimo Michael Shannon) receber as congratulações de seus pares (homens, brancos) por uma ação policial de sucesso, ignorando completamente o papel de Laurel na eficácia do procedimento. Uma policial não é exatamente uma mulher "bela, recatada e do lar", como certamente esperariam os legisladores locais, em meio a discursos quadrados (e enfadonhos) sobre santidade do casamento e temor à Deus. Aqui e ali, Amor Por Direito nos faz perceber que o preconceito está em todos os lugares. E atinge a todas as mulheres.
Nota: 7,3
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