sexta-feira, 19 de julho de 2024

Novidades em Streaming - A Filha do Palhaço

De: Pedro Diógenes. Com Lis Sutter, Demick Lopes, Jupyra Carvalho e Jesuíta Barbosa. Drama, Brasil, 2022, 104 minutos.

"Um homem vai ao médico, diz que está deprimido. Afirma que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. O médico diz: 'O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade, assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo.'O homem se desfaz em lágrimas e, após um tempo, diz: 'Mas, doutor... Eu sou o Pagliacci." Vamos combinar que o trecho acima, extraído de Watchmen - em um dos tantos instantes comoventes protagonizados pelo personagem Rorschach -, virou meio que um lugar comum, sendo replicado a todo momento na internet. Especialmente na era do meme, a figura do palhaço triste - alguém que, supostamente, deveria fazer uma plateia rir, mas que não consegue lidar com sua própria dor -, se torna uma caricatura quase óbvia. Fácil. Sendo reproduzida de forma meio literal no ótimo A Filha do Palhaço, do diretor Pedro Diógenes e que está disponível para aluguel no Now.

A trama é bastante simples, mas é daquelas que mexe com a gente. E que coloca em primeiro plano o contraste entre o riso e o choro, a alegria e a melancolia - como uma espécie de exercício de vida real bastante eficiente, de fácil identificação. Na abertura acompanhamos Renato (o ótimo Demick Lopes), um humorista que está no palco de um bar caracterizado como Silvanelly - uma drag queen meio desbocada, que faz aquele tipo de piada de tiozão. E que costuma arrancar gargalhadas dos fãs de programas como A Praça É Nossa. Com seu figurino multicolorido, maquiagem carregada e trejeitos exagerados, Silvanelly - que foi inspirada na Raimundinha, personagem interpretada pelo falecido Paulo Diógenes e que era bastante popular no Nordeste -, encerra sua apresentação em meio a aplausos tímidos e pouca empolgação. Só que, para Renato, o que era pra ser uma noite como qualquer outra, acaba virando de ponta cabeça com a chegada inesperada de sua filha, Joana (Lis Sutter).


 

E não demorará para que percebamos que essa é a típica história de tentativa de reconciliação entre pai e filha - apartados, no passado, por uma série de motivos. Cheia de dúvidas, a figura discreta de Joana entra de forma inesperada no mundo que contrasta cores exuberantes e sombras enevoadas de seu pai - que habita um apartamento minúsculo que, em alguma medida, escancara uma trajetória de luta e de superação de dificuldades. Aliás, dificuldades que só se apresentarão maiores - especialmente em uma sociedade ainda tão preconceituosa e intolerante como a nossa - a cada nova descoberta a respeito da trajetória do homem. O que teria motivado um abandono mais de uma década atrás? Há espaço para o perdão? Como lidar com esse vazio, esse lapso na conexão entre pai e filha que, agora distantes, tentam se aproximar mesmo tendo poucos vínculos? Com delicadeza, entre silêncios e tensões, esses nós serão aos poucos desatados. Sempre sem pressa, de forma comedida.

Hábil, o diretor converte a experiência com a obra em uma grande colagem de instantes delicados sobre um pai que busca se reaproximar - ainda que de maneiras meio tortas. Difícil não se emocionar quando o sujeito consegue, a pau e corda, uma TV de tubo meio antiga para que Joana possa se entreter assistindo algum filme em DVD (num daqueles paradoxos curiosos que envolvem pessoas oxigenadas em termos ideológicos, mas que parecem ultrapassadas quando o assunto é tecnologia). Ou quando a jovem defende o pai, em um episódio de homofobia. Joana vai para a casa do pai, sem que a mãe saiba. Aliás, mente pra ela a respeito de sua viagem. E descobre um universo culturalmente fervilhante - de teatro, de música, de literatura, de dança, de vida. A arte humaniza, aproxima. Une até mesmo aqueles que estavam afastados. Como fica claro no nostálgico momento em que a música Tô Fazendo Falta - clássico da virada do milênio na voz da Joanna -, é entoada pelos dois. Ao cabo, essa é uma obra sobre decisões nem sempre acertadas, arrependimentos e busca por redenção. Um conjunto que se torna ainda mais complexo para quem está à margem da sociedade.

Nota: 8,5


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