De: Jamie Babbit. Com Natasha Lyonne, Clea Duvall, Cathy Moriarty e RuPaul Charles. Comédia / Romance, EUA, 1999, 85 minutos.
Se em pleno 2024 o conceito de cura gay parece um tanto bizarro - a despeito do moralismo barato dos reacionários da extrema direita, e de seu pânico permanente diante de qualquer coisa que fuja da heteronormatividade -, no final dos anos 90 esse tipo de assunto talvez fosse menos comentado. O que, de forma paradoxal, amplia a potência desse divertidíssimo Nunca Fui Santa (But I'm a Cheerleader) - obra da diretora Jamie Babbit que se ocupa de parte dos clichês ligados a preconceitos propagados pelos "cidadãos de bem", para convertê-los em uma coleção de piadas debochadas. Dos cenários multicoloridos - com destaque para o rosa que, como diria a tal ministra, é a cor que as meninas usam -, passando pelos figurinos cafonas, até chegar aos diálogos caricatos, no cerne da experiência parece haver uma profunda crítica ao conservadorismo torpe e ao comportamento antiquado de uma parcela da sociedade.
Sim, a preocupação com a sexualidade alheia como uma espécie de mecanismo para lidar com as próprias frustrações quando o assunto é a intimidade, não é exclusividade dos extremistas de direita de hoje, que seguem figuras patéticas como Bolsonaro, Milei ou Trump. No passado, aliás, a situação era ainda pior, com os tais acampamentos para terapias de conversão sendo efetivamente levados a sério - como supostos espaços de cura para gays e lésbicas que, a partir de uma série de atividades, seriam capazes de reencontrar os seus caminhos (uma balela, aliás, sempre ligada à Igreja, a Cristo e ao seu provável ódio a qualquer ser de padrão desviante, como acreditam os religiosos mais fanáticos). E é pra um desses espaços que a jovem Megan Bloomfield (uma Natasha Lyonne bem novinha, antes do sucesso em Orange Is the New Black) - uma loirinha padrão que, de quebra, é líder de torcida - é enviada pelos pais, após ela dar alguns sinais de que, talvez, goste de pessoas do mesmo sexo.
Aliás, os tais sinais podem até ser estereotipados, mas são genuinamente engraçados. "Você tentou nos fazer comer tofu", afirma a mãe de Megan, enquanto esta é inquirida, como se a mera sugestão ao veganismo pudesse ser um indício de (des)orientação sexual. Na mesma sequência, o pai da jovem aponta para um cartaz de Melissa Etheridge e uma pintura de Georgia O'Keefe também como sinais de um certo pendor ao gayzismo - o mesmo valendo para as fotos de mulheres de biquíni mantidas no armário da escola. "Você sequer gosta de me beijar" reforça Jared (Brandt Wille), o namorado padrão da garota (e de fato ela não gosta). Toda essa intervenção é acompanhada de perto por Mike (RuPaul Charles, em um papel que só amplia o caráter iconoclasta e de autoironia do projeto), um ex-gay que agora trabalha na clínica apropriadamente chamada de True Directions, e que será um dos responsáveis pela recondução de Megan à heterossexualidade.
Tudo é exagerado e kitsch, com as etapas da suposta conversão de Megan - num esforço coordenado pela diretora meio fascistoide Mary Brown (Cathy Moriarty) - só a afastando mais da tal redescoberta de sua identidade de gênero. A ideia do espaço é a de promover uma série de tarefas - que envolvem desde meninos rachando lenha e meninas simulando a vida de donas de casa -, que as devolveria a esperada orientação sexual. Claro que a coisa vai dar errado, ainda mais quando Megan conhece a estudante Graham Eaton (Clea Duvall), uma garota cheia de personalidade e que parece mais confortável com seu lesbianismo, por quem ela se apaixonará. Orbitando as duas, uma série de outros jovens também participam do processo que, a cada novo acontecimento, só se mostra mais sem sentido - e é meio bizarro pensar que milhares de jovens foram enviados a esse tipo de acampamento em décadas passadas. Repudiado pela crítica na época do lançamento - aliás, como qualquer filme mais ousado de décadas anteriores -, o projeto, primeiro filme dirigido por Babbit, receberia anos depois status de cult (sendo exibido atualmente na Mubi). Vale redescobrir.
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