segunda-feira, 8 de julho de 2024

Tesouros Cinéfilos - I Saw the TV Glow

De: Jane Schoenbrun.Com Justice Smith, Brigette Lundy-Paine, Danielle Deadwyler e Fred Durst. Drama / Terror, EUA, 2024, 100 minutos.

Pra quem cresceu nos anos 90, como é o meu caso, pode ser meio estranho não pensar no componente alienante que pode vir atrelado à tela de TV - com seus programas de gosto eventualmente duvidoso e sua atual oferta praticamente infinita. E, eu lembro como se fosse hoje, do dia em que a MTV adentrou a casa da minha família - e, simplesmente, de uma hora pra outra era possível assistir à Tonight, Tonight do Smashing Pumpkins, talvez um dos videoclipes mais bonitos da história (e que, em alguma medida, tem conexão com I Saw the TV Glow, essa tão falada joia do cinema alternativo), em uma tarde de verão qualquer, da cidade de Lajeado, lá pelo ano de 1996. O canal musical era só uma das opções advindas da TV a cabo, que possibilitaria assistir produções juvenis como Dawson's Creek, Friends ou Buffy A Caça Vampiros. O mundo da televisão, afinal, era maior do que previa o programa dominical. Ou os limites da vizinhança na cidade pequena.

Tudo bem que, como obra de amadurecimento, esse é só um componente que chama a atenção na produção dirigida por Jane Schoenbrun - que funciona como veículo ideal para um exame da adolescência como um período de descobertas e de limites, em que as coisas podem ser mais sombrias (ou menos luminosas). Ainda mais para a comunidade LGBTQIA+, que parece ser o público-alvo mais claro do longa - por mais que o assunto seja universal. Sensorial, quase onírica, a produção já abre como um plano médio de uma rua asfaltada pintada por um giz de tons neon, que se somam a trilha sonora enevoada, que, mais adiante juntará nomes como Caroline Polachek, Yeule e Phoebe Bridgers. Quando nos deparamos com o jovem Owen (Justice Smith) à frente da TV, já estamos absorvidos por aquele universo de ruas pacatas e de jardins encharcados da cidadezinha do subúrbio, que é invadida pelas cores vivas que saltam da TV. Owen fica simplesmente obcecado por uma série de TV chamada The Pink Opaque, exibida sempre nos sábados de noite, a partir das 22h30 - e que sua mãe simplesmente não o deixa assistir, porque ele é obrigado a ir dormir mais cedo.


 

Movido pela intenção de simplesmente assistir a série - que parece unir uma série de elementos e lugares-comuns típicos das produções adolescentes dos anos 90, com seu maniqueísmo macabro e amizades juvenis esparsas -, Owen acaba por fazer amizade com a melancólica Maddy (Brigette Lundy-Paine), uma garota do nono ano, que surge na escola com o maior objeto de desejo de todos: uma espécie de guia de episódios de The Pink Opaque. De todas as temporadas. Juntos, eles assistem às escondidas um dos episódios, com Maddy passando a gravar em uma fita VHS todos os demais. Uma pequena subversão que os conecta durante algum tempo, até o dia em que Maddy simplesmente desaparece. No mesmo dia em que a série, que envolve duas jovens telepaticamente conectadas enfrentando monstrengos sobrenaturais legítimos da cultura nerd - como um sorvete gigante e supostamente assustador -, tem um encerramento abrupto e trágico. Fora outros traumas, muitos deles ligados à família - e seu conceito normativo.

Quem já está mais habituado a linguagem dos filmes da A24 vai encontrar ali os pontos de conexão, que envolvem temas, como, identidade de gênero, arte como veículo universal de formação, sensação de pertencimento, incertezas quanto ao futuro e mesmo nostalgia do que não se viveu. Num resumo bem resumido - e nada definitivo -, o filme parece nos querer dizer que crescer não é fácil, amadurecer é pior - especialmente se você for um jovem queer, que opta por permanecer fechado em uma concha como uma espécie de fuga de uma sociedade preconceituosa e pródiga em decidir sobre a sexualidade alheia. Em certa altura, quando Owen pergunta para seu pai se ele pode assistir The Pink Opaque, o homem, vivido por um quase irreconhecível Fred Durst (sim, o vocalista do Limp Bizkit), questiona: "esse programa não é de mulherzinha?". Se ajustar aos padrões e as expectativas sociais pode ser complicado. Assim como não é fácil "matar" alegoricamente um eu que não existe, para fazer nascer outro. Mas ainda estará em tempo, como o filme nos lembra de forma não tão sutil. Pode dar vontade de gritar - e talvez seja necessário. rasgar o peito. Deixar sair. Como se fosse uma espécie de limpeza da alma. E que nos permitirá, assim, ver os limites da ficção serem finalmente ultrapassados. Para que a realidade se imponha. Vale demais.


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