quinta-feira, 28 de março de 2024

Novidades em Streaming - Quem Fizer Ganha (Next Goal Wins)

De: Taika Waititi. Com Michael Fassbender,  Kaimana, Oscar Kightley, Elisabeth Moss e David Fane. Comédia, EUA, 2023, 104 minutos.

Vamos combinar que havia tantas subtramas legais a serem exploradas em Quem Fizer Ganha (Next Goal Wins). Tantas possibilidades dramáticas - ou, vá lá, mesmo que a ideia fosse apenas fazer uma comédia que, pelo menos, ela tivesse alguma graça. Porque a obra de Taika Waititi simplesmente não tem. É pra ser uma produção de humor, mas que não resulta em riso. É pra ser uma experiência sobre superação de dificuldades, mas a gente só se depara com estereótipos. Aliás, que em pleno ano de 2024 se construa um conjunto de personagens tão descaradamente unidimensionais como são retratados os habitantes da Samoa Americana, é algo que beira o constrangimento. Sim, hoje em dia todas as pessoas já estão familiarizadas com o evento futebolístico que entrou pra história nas eliminatórias da Copa do Mundo de 2002 quando o País do Pacífico Sul registrou a pior derrota da história em uma partida oficial: um acachapante 31 a 0 pra Austrália. Agora, esse fato autoriza os roteiristas a tratarem os atletas como uma massa de adultos infantilizados apenas aguardando por algum tipo de domesticação?

Porque, ao cabo, a impressão que fica é a de que é exatamente isso que acompanhamos. As supostas diferenças culturais não estão ali para apenas nos divertir. A ideia geral parece ser a de humilhar os habitantes da Samoa, que são apresentados como um coletivo de sujeitos excessivamente ingênuos - mesmo para os padrões de quem leva uma surra no futebol. Porque depois da goleada sofrida e, projetando as eliminatórias para 2014, a Confederação local resolve contratar um novo treinador, que possa dar uma revolucionada na coisa - ou que ao menos permita aos jogadores terem a capacidade mínima de correr, passar, chutar a gol. E é aí que entra em cena Thomas Rongen (Michael Fassbender), um técnico holandês meio turrão e um tanto desacreditado, que é enviado à Samoa Americana para tentar uma missão quase impossível: fazer com que a seleção local consiga fazer um gol que seja. Um golzinho. Que lhe fará quebrar um tabu para entrar pra história. Na chegada, Rongen é recebido com festa, com imprensa, com uma dança típica da cultura local. É pra ser um instante engraçado. Mas que só gera vergonha alheia.


 

Aliás, muito se falou sobre a completa incapacidade de Waititi de filmar as sequências das partidas de futebol. Obviamente não deve ser uma dinâmica muito fácil, já que é um esporte coletivo e cheio de possibilidades - o que sem um mínimo de boa noção espacial pode fazer com que tudo soe excessivamente falso. Que é o que ocorre. Aliás, eu nunca vi um filme sobre esporte tão mal executado nesse aspecto. Só que a meu ver esse, como já dito, não é o maior problema. Dá pra fazer filme debochado, daqueles de rir de dobrar a barriga, mesmo quando as sequências esportivas não são das melhores - e quem já assistiu ao clássico cult do humor Kung Fu Futebol Clube (2001) sabe do que falo. Só que, volto a dizer: não tem graça. Nenhuma, por sinal. Uma piada recorrente é sobre como os habitantes da ilha tem mais de um emprego - o técnico de futebol pode ser garçom ou repórter e por aí vai. Outra é sobre como os moradores desse local paradisíaco são excessivamente religiosos - com direito a parada para a oração durante o treinamento. Sério? E, por mais que isso seja efetivamente verdade, não consigo compreender como isso pode ser algo divertido. Talvez nos anos 80, em um filme da Sessão da Tarde. E olhe lá.

Quem está minimamente familiarizado com a história sabe que a seleção de Samoa Americana não apenas faria um gol naquela eliminatória, como ainda venceria um partida contra Tonga - escrevendo um capítulo interessante que lhe retiraria da lanterna do ranking da Fifa. Aliás, até mesmo quando os jogadores de Tonga entram não parada, eles surgem como os valentões estereotipados, provocadores - tipo os alemães em Jamaica Abaixo de Zero (1993), aliás, um ótimo exemplo de narrativa de volta por cima esportiva, que não necessita aviltar, menosprezar o País da América Central só porque ele não é de Primeiro Mundo, rico ou possui mais recursos do que as superpotências econômicas mundiais. E é exatamente quando essa parte do filme "começa", que ele dá uma sensível melhorada. Há certa comoção na evolução. Que é ampliada também pelo fato de um dos gols ter sido feito justamente pela atleta Jaiyah (Kaimana), a primeira mulher trans a jogar uma partida por uma Eliminatória de Copa do Mundo. 

 

 

Já pensou que baita trama poderia ser essa? Sobre os dilemas de ser trans em um ambiente tão masculinizado? Só que quando Jaiyah surge em cena ela é apenas o lugar comum fetichizado de uma figura do tipo - com seus trejeitos afeminados e necessidade de ajeitar o cabelo o tempo todo. Haveria no combo outras histórias paralelas possíveis, como a do goleiro Nicky Salapu (Uli Latukefu), que foi quem levou os 31 gols do massacre - mas que ressurge para uma história de redenção que beira o inacreditável. Tudo isso fica meio comprimido em uma narrativa centrada em um white savior absolutamente irritante que, de quebra, ainda tem carisma negativo. Às vezes eu fico me questionando se Taika Waititi ainda tem crédito na praça, ou se Jojo Rabbit (2019) foi apenas um delírio coletivo que foi exageradamente alçado a filme da temporada naquela edição do Oscar. Tomara que não, até mesmo porque há sim coisas boas no currículo. Mas aqui fica aquela mancha na temporada "esportiva". Uma goleada em casa e que levará tempo pra recuperar.

Nota: 3,5

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