sexta-feira, 1 de março de 2024

Novidades em Streaming - Ninjababy

De Yngvild Sve Flikke. Com Khristine Thorp, Nader Khademi, Arthur Berning e Tora Dietrichson. Comédia / Drama, Noruega, 2021, 103 minutos.

"Eu não quero filhos. Sim, é algo terrível a se dizer. Talvez egoísta pra caramba, mas é isso, talvez eu seja uma egoísta de merda". Provavelmente um dos melhores e mais sinceros filmes sobre maternidade indesejada. Sem romantização. Sem reviravoltas, soluções fáceis e redenções óbvias. Assim podemos resumir a experiência com o norueguês Ninjababy - filme lembrado em diversos festivais, entre eles o de Berlin, e que finalmente estreou na plataforma Mubi. Na obra dirigida por Yngvild Sve Flikke a partir de uma graphic novel, somos apresentados a Rakel (Khristine Thorp) uma jovem desenhista cheia de objetivos na vida, sendo que nenhum deles envolve gerar um filho. Só que, num certo dia de mal estar e após cerca de seis meses de menstruação meio desregulada, aumentos dos seios e outros sinais, sua melhor amiga Ingrid (Tora Dietrichson) sugere que ela faça um exame de gravidez. O que faz com que ambas constatem o óbvio: sim, há um bebê a caminho.

Só que Rakel argumenta o fato de já fazer um punhado de meses que não transa - por sinal, suas últimas experiências sexuais envolvem o carismático instrutor de artes marciais Mos (Nader Khademi) e um sujeito que leva o curioso apelido de Dick Jesus (Arthur Berning) que, aparentemente, parece ter uma jeba gigantesca ao passo que guarda uma excêntrica semelhança com Cristo "em pessoa". Após o exame, Rakel convoca Mos - que por uma coincidência do destino reaparece na sua vida -, para uma ida ao ginecologista. A situação é pior do que ela imagina: com uma gestação que já avança para além dos seis meses, a despeito da barriga diminuta, ela está impossibilitada de fazer um aborto (o que só é permitido no País, com bastante naturalidade, por sinal, até as doze semanas). E mais do que isso: ela não se preocupou muito com uma possível gravidez nas últimas semanas, se entregando ao esporte favorito de jovens de vinte e poucos anos da área artística, no caso o combo bebedeiras, drogadição, noitadas e outros.

 

 

E todo esse contexto meio que bate forte na cabeça de Rakel. Dá um ruim. A ponto de ela procurar o pai - no caso o Dick Jesus -, para comunicá-lo sobre (e claro que, num primeiro momento, ele se desespera) e também iniciar a negociação para uma possível entrega para a adoção, já que ela realmente não pretende criar uma criança. Em paralelo, ela aciona a sua meia irmã que tem tentado engravidar em vão, para sondá-la sobre uma possível adoção. Em meio a esse conjunto de situações, a protagonista segue em suas divagações - que envolvem desenhos em suas pranchetas. E é deles que brotará uma espécie de feto animado - o Ninjababy do título -, que passará a dialogar com Rakel. A argumentar sobre seu futuro, sua existência e a necessidade de ele ter um lar pra chamar de seu. Sim, esse componente meio exótico que remonta a obras literárias como Enclausurado, de Ian McEwan, adiciona um charme adocicado pra coisa. Com interações divertidas, como no instante em que Ninjababy pede que sua mãe o entregue a Angelina Jolie, famosa por sua prole de adotados.

Entremeando instantes cômicos, com outros mais comoventes, essa obra destemida e pulsante promove uma reflexão sobre o papel da mulher na sociedade, expectativas que recaem sobre as futuras mães (que nunca podem ser autorizadas a verbalizar o quanto a maternidade lhes dói) e tabus relacionados ao aborto. Se fosse um filme dos anos 90, talvez esse aqui não fugisse da armadilha óbvia de entregar ao espectador o final feliz que, muito provavelmente, envolveria um namoro (e certamente um casamento) com Mos, que assumiria o filho de Dick e ambos vivendo felizes para sempre. Mas graças à Deus estamos em 2024 (a produção é de 2021) e Rakel, por mais atormentada que esteja, jamais deixa de pensar a respeito do futuro dessa criança que está por vir. Um futuro que, julgue quem quiser julgar, ela não deseja que seja com ela. Certo? Errado? No fim das contas o desfecho não poderia ser mais feliz: tanto que é impossível não se emocionar ao ver Rakel realizando seu grande sonho. Que será celebrado não apenas por ela, mas por aqueles que ajudaram a construí-lo.

Nota: 8,5


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