quarta-feira, 20 de março de 2024

Cine Baú - Disque M Para Matar (Dial M for Murder)

De: Alfred Hitchcock. Com Ray Milland, Grace Kelly e Robert Cummings. Suspense / Policial, EUA, 1954, 105 minutos.

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO TEM SPOILERS]

Existe um grande bloco de filmes de Alfred Hitchcock que geralmente não são citados de primeira, quando chega a hora de elaborar a relação dos melhores do Mestre. Mas isso não significa que eles não sejam importantes ou não tenham o DNA do diretor. E penso que esse é o caso do ótimo Disque M Para Matar (Dial M for Murder), que foi lançado no mesmo ano de Janela Indiscreta (1954), o mais perfeito suspense que se tem notícia - e que talvez por isso não seja lembrado com tanto carinho. Sim, num primeiro momento a produção estrelada por Ray Milland e Grace Kelly pode parecer apenas uma longa verborragia sobre um psicopata descrevendo os caminhos que lhe levarão a perpetrar um crime perfeito (aliás, um dos muitos assuntos favoritos de Hitchcock). Mas o roteiro é tão engenhoso, os diálogos, ainda que expositivos, são tão espirituosos, e as interpretações tão convincentes que não demora nem quinze minutos para que sejamos absorvidos pela história.

A trama é o Hitchcock raiz: um tenista aposentado de nome Tony Wendice (Milland) descobre que sua estonteante noiva, a socialite Margot (Kelly), está tendo um caso com um escritor americano de thrillers policiais - um certo Mark Halliday (Robert Cummings). Ao invés de confrontá-la a respeito de sua infidelidade, Tony elabora um plano macabro para matar Margot. Para colocar essa ideia tão aterradora quanto absurda em prática, ele chantageia um certo Charles Swann (Anthony Dawson), um antigo colega de faculdade que está envolvido em uma série de golpes - inclusive já tendo sido preso. A ideia da dupla será a de aproveitar um momento em que Margot estará sozinha em casa, para que Swann entre no apartamento - uma chave estratégica será deixada de baixo do tapete, junto a escadaria. Um telefonema chamará a atenção da jovem e esta será a deixa para colocar o estratagema em ação. Só que não seria um filme de Hitchcock se a coisa ocorresse exatamente como o previsto.


 

Em uma das melhores reviravoltas da história do cinema, Margot consegue contragolpear o seu algoz, que tentava lhe estrangular com um cachecol. E ao perceber que seu plano saiu pela culatra, o protagonista precisará recalcular a rota - o que envolverá uma série de mentiras aos investigadores, com direito a provas falsas plantadas pelo apartamento, declarações conflitantes e cópias de chaves perdidas e reencontradas, além de uma grande quantia de dinheiro em uma mala. É tudo muito bem construído, ainda que a trama se passe, assim como ocorre em Um Barco e Nove Destinos (1944), Festim Diabólico (1948) e no já citado Janela Indiscreta (1954), toda em um mesmo cenário. E é justamente esse aspecto que confere um impacto maior à trama - com o ambiente apertado do apartamento, com sua sala pequena e quarto adjacente, ampliando a sensação de claustrofobia e de tensão iminentes.

Como de praxe, o diretor utiliza o seu filme para uma série de pequenas inovações técnicas que vão dos enquadramentos oblíquos, passando por travellings exagerados e closes impactantes. Em certa altura a câmera flana pelo apartamento até repousar em um ângulo um pouco mais baixo em que Tony e Swann aparecem apartados por um abajur. Pode não parecer algo significativo, mas serve para representar um ponto de ruptura que, ali adiante, se consolidará - seja no plano que não sai a contento, seja na morte inevitável do segundo. Em tese há uma suavidade que vai e vem e que reforça a importância dos objetos cênicos - cartas, chaves, malas, casacos -, como se nossos olhos precisassem estar permanentemente atentos a tudo que envolve aquele espaço (e vai ver tenhamos mesmo que estar atentos). E talvez não seja por acaso que o filme tenha sido incluído na lista de 100 Thrillers do American Film Institute (AFI), numa honrosa 48ª posição. Ao cabo este é um suspense sofisticado, carregado de tensão e que reserva uma série de surpresas instigantes até a sua conclusão.


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