quarta-feira, 6 de março de 2024

Cinema - Zona de Interesse (The Zone of Interest)

De: Jonathan Glazer. Com Sandra Hüller, Christian Friedel e Freya Kreutzkam. Drama, Reino Unido / EUA / Polônia, 2023, 144 minutos.

Uau, os nazistas também eram pais de família, que cultivavam jardins floridos, se reuniam para festas em família e afagavam as cabeças de cachorrinhos fofos. Sério? Que surpreendente! Sinceramente, assim que subiam os créditos de Zona de Interesse (The Zone of Interest) eu só conseguia pensar que devia ter visto o filme errado. Ou vai ver talvez esteja passando da hora de abandonar esse ofício amador de crítico de cinema improvisado. E eu confesso a vocês que a minha expectativa era enorme. Era. Porque a obra de Jonathan Glazer me pareceu tão problemática de tantas maneiras, que quase não consegui concluí-la - e eu me recuso a ler as resenhas positivas para não ter as minhas impressões contaminadas. Um filme antinazista que não mostra um cadáver sequer, talvez pra não glorificar a violência? Ok, entendo. Mas não encontrar um rosto judeu em meio ao pior período do holocausto? Questionável. E o processo de desumanização de quem esteve no campo de concentração é só um dos equívocos. Não mostrar os prisioneiros de Auschwitz pra que a coisa fique menos perturbadora? Hum.

Em alguma medida já dá pra imaginar essa obra sendo longamente discutida em alguma disciplina do Curso de Cinema, em que alunos bem nascidos que sonham em trabalhar na área discorrem longas teses sobre a banalidade do mal, com seus livros de Hannah Arendt servindo de texto de apoio. "Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança" já teria dito a filósofa no passado. E, sim, acho que em tempos de ascensão da extrema direita, de populismo reacionário, de Netanyahu, de Órban, de Trump, de Bolsonaro, de Milei e de vovós reaças dispostas a destruir inimigos políticos, pouco depois de fazerem um pudim de sobremesa para os netos, já deu pra entender que o mal do nazismo e do fascismo não virá acompanhado do sujeito militarizado, fardado, com bota e arma na mão - por mais que esse estereótipo ainda ocorra, aqui e ali, entre os patriotas. Afinal hoje em dia a gente sabe que, sob a superfície higiênica do cidadão de bem, pode haver alguém disposto às conveniências do mal. E, de novo pergunto: onde está a novidade?


 

Quase duas horas de uma Sandra Hüller zanzando em um espaço idílico junto ao pior campo de concentração que se tem notícia - um casarão nobre separado por muro altos e cinzas s e arames farpados -, enquanto organiza a rotina como dona de casa, passa carraspanas nas criadas, cuida das crianças. As flores ordinariamente coloridas. A horta que parece fornecer o melhor dos alimentos orgânicos. A piscina convidativa, o gramado sempre verdinho. No outro lado, aquele lado em que ninguém vê, ouve-se barulhos diegéticos de trens, de maquinários, de tiros, de bombas, de gritos agoniados. Tudo meio distante, fora do alcance. Não se enxerga nada nem ninguém. "Mas o trabalho de edição de som" talvez alguém questione. Até isso parecerá uma masturbação técnica pasteurizada, sem muito sentido e de pouco ou nenhum impacto. Um horror que a gente não vê parece apenas perder força. Por mais que choquem sequências como a do grupo de generais e de empresários que discute o quão tecnológica e moderna será a construção de uma nova câmara de gás - muito mais precisa e eficiente -, mais adiante já teremos esquecido esse instante de barbárie. Aliás, esse em partes é um mérito, já que nunca paramos pra pensar no aspecto logístico de um "empreendimento" desses.

No mais e ao cabo esse parece ser um filme apenas ordinário. Que não resolve nada. Não amplia a discussão política a respeito do tema. E ainda apresenta uma série de obviedades - por mais estilística que possa ser a cena em que um punhado de cinzas (provavelmente humanas) polvilham o jardim de flores. Aliás, que coisa mais indigesta tentar fazer "poesia" com isso. Alguns críticos que se aventuraram a apontar defeitos na obra - poucos, por sinal -, salientaram o fato de que Glazer abrandou o romance de Martin Amis, escrito em 2014, no qual o projeto se inspira. Com que intenção se retira a barbárie de um documento que invoca justamente a barbárie desses tempos? Em alguma medida, talvez o ponto positivo seja justamente o da noção geográfica do todo - quando percebemos o quão próximas ficavam as residências de generais e comandantes nazistas e seus familiares, do espaço onde ocorriam os horrores. No mais? Uma abertura longamente aborrecida? Cortes estranhos? Interlúdios em preto e branco quase sem sentido? Excessos de planos médios que tentam tornar interessante a esposa de um nazista dobrando roupas? Ok, eu não aguardava um grande tratado sobre o holocausto. Mas ao sair do absoluto nada pra lugar nenhum, essa se torna uma experiência apenas simplória.

Nota: 3,0


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