quarta-feira, 13 de março de 2024

Pitaquinho Musical - Carne Doce (Cererê)

"Mais uma vez está na hora de partir / Pra ver se a distância pode nos unir". Poucas bandas exploram tão bem a dualidade da experiência humana como o Carne Doce. Em alguma medida é possível afirmar que delicadeza e selvageria caminham lado a lado com o pudor e a perversão, o bucólico e urbano, o amoroso e o sexy - o que é evidenciado não apenas nos versos cheios de dualidades, mas também nas melodias que se alternam entre instantes urgentes e contemplativos. "É uma inclinação dela, dos autores que ela lê, de como ela vê a vida, e que ela acabou aprimorando com o exercício da composição” resumiu em entrevista ao Diário da Manhã, o guitarrista Macloys Aquino sobre sua parceria de grupo - e também de vida - Salma Jô. Nesse sentido as letras eventualmente reflexivas da compositora muitas vezes recebem como complemento uma sonoridade perfumada, primaveril, com guitarras melódicas e um apelo à natureza de sua região de origem, no caso o Centro Oeste.




Sim, sempre foi assim e basta olhar o título e canções da época do primeiro e homônimo álbum de 2014 - Sertão Urbano, Amigo dos Bichos, Fruta Elétrica - para percebermos essa característica. E se naquele momento os goianos produziam um tipo de música mais empoeirado, diluído, com um apelo à uma "psicodelia da floresta", é possível afirmar que aos poucos a sonoridade foi sendo limpa, com destaque para o vocal e um instrumental também mais arredondado e a exploração de temas feministas e de questões de gênero - especialmente após o disco Tônus (2017). Com dez anos de carreira e um cancelamento nas costas - uma acusação de abuso sexual do baterista -, o coletivo chega ao quinto trabalho, Cererê, com suas principais atributos intactos. Um bom exemplo disso pode ser percebido já na arrancada, com o divertido single Noite dos Tristes (olhaí a dubiedade). O expediente se repete em instantes contemplativos, como em Suspiro, que abre esse pequeno texto, e em outras joias como as espetaculares Metagreste, Na Lona, Na Bad e Festa. O melhor nacional até o momento.

Nota: 8,5


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