Talvez seja apenas a vida imitando a arte. Ou mesmo a Janelle Monáe "se guardando pra quando o carnaval chegar". E o carnaval, já diria Chico Buarque por aqui, há de chegar. Também nos Estados Unidos. No caso da artista americana, esse desejo de libertação de sistemas opressores que parecia estar no centro da narrativa de discos como o elogiado Dirty Computer (2018) - nosso quinto colocado na lista de melhores internacionais daquele ano -, aqui dá espaço para um senso de vitória. De exaltação. Sim, é hora de festejar. De deixar para trás a distopia capaz de evocar cenários de ficção científica, para mergulhar em uma temporada de amor, de paixão, de autodescoberta, de tesão (de muito tesão), de hedonismo. Sonhar com um mundo melhor em tempos de guerra, de pandemia e de extrema direita sempre rondando? Vem pra cá que Janelle não coloca o cropped e reage. Ela tira o cropped e arremessa ele pra longe. Se libera dele. Pra iniciar uma "era do prazer".
Sim, aquela parcela da mídia especializada essencialmente conservadora tem considerado pouco interessante esse The Age of Pleasure - o quarto trabalho da cantora - justamente por esse caráter menos cabeçudo (ou conceitual) do registro. Pra quem se acostumou a ver a artista vestida como se fosse uma deusa de um universo futurista que parece saída de alguma obra de Isaac Asimov, talvez estranhe essa desinibição toda. Essa ausência de roupa. Esse fogo, que parece fazer lembrar o tempo todo que o corpo também é político. E que com ele a mulher faz o que bem entender. "Estou me sentindo tão sexy" sussurra ela em Haute para, logo em seguida, na deliciosamente quente Water Slide, ela emendar um "se eu pudesse me comer agora mesmo eu faria isso". O disco em resumo é todo safado. O conceito aqui é a safadeza. Com suas letras provocantes e seus ritmos que misturam dancehall, R&B, reggae e ritmos africanos. "Eu definitivamente tive uma oportunidade de evoluir, crescer e explorar as coisas que me dão prazer", resumiu em entrevistas de divulgação.
Nota: 8,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário