terça-feira, 6 de junho de 2023

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - A Lancheira (Índia)

De: Ritesh Batra. Com Irrfan Khan, Nimrat Kaur e Nawazzudin Siddiqui. Drama / Romance, Índia / França / EUA / Alemanha, 2013, 104 minutos.

Vamos combinar: a gente vive tempos tão individualistas que, por mais sonhadores e improváveis que filmes como A Lancheira (Dabba) sejam, eles ainda parecem renovar as nossas esperanças. Nem que seja em partes. O ato de almoçar, afinal, pode ser bastante solitário para o funcionário público Sajaan Fernandes (Irrfan Khan) que, em meio a papelada e as burocracias cotidianas, recebe a sua marmita deixada por um tradicional serviço de entregas de Mumbai (o Mumbai Dabbawallahs que, pelo que entendi não apenas existe de verdade, como é bem famoso). Em outro ponto da cidade, a dona de casa Ila (Nimrat Kaur) ocupa as manhãs no preparo do almoço do marido que, mais adiante, descobriremos que talvez a esteja traindo. O capricho dela na preparação do farnel tem a ver com isso: por meio do estômago, Ila pretende reconquistá-lo. A comida saborosa é o caminho, talvez. O aroma, o gosto, o visual, o amor. Tudo parece estar lá dentro naquela marmita metalizada envolta em uma sacola verde.

Só que um problema acontece quando a entrega vai para o destino errado - e a marmita enviada por Ila vai parar na mesa de Sajaan. Que a devora literalmente limpando o prato! Com trinta e cinco anos dedicados ao trabalho, Sajaan está para se aposentar. E comunica o serviço de entregas sobre não ser mais necessário o envio do almoço no próximo mês. Com gentileza, ele informa o atendente sobre a qualidade do preparo do dia. O preparo feito por Ila - não percamos de vista. No dia seguinte o equívoco se repete. Em meio aos esforços do protagonista em treinar o seu substituto - o expansivo e carismático Shaikh (Nawazzudin Siddiqui) -, a marmita é recebida. Só que dessa vez ela está levemente apimentada (a tia de Ila havia lhe dito algo sobre o ingrediente e sobre como deixar as coisas mais quentes em relação ao marido). Sajaan resolve enviar um bilhete para Ila. Sendo esse o instante em que eles iniciarão uma improvável amizade. Construída por meio de bilhetes subsequentes. Enviados por meio da marmita do dia.

Evidentemente, Ila perceberá que há um equívoco e que o alimento não está chegando ao marido. Só que, de um completo desconhecido, ela passará a receber o carinho que está, grosseiramente, em falta em casa. Ao passo que para Sajaan, as conversas com Ila darão cor (e sabor, claro) aos seus dias acinzentados em meio a arquivos, fichários e mesas abarrotadas. Pode parecer apenas inusitado, mas não deixa de ser simpático. Charmoso. A sensação de calor humano é ampliada pelo completo senso de solidão vivido mesmo quando se está em meio a multidão - com seus trens lotados, tráfego lento, arranha-céus intermináveis e outros elementos que formam uma paisagem sem vida, fria, apática, caótica. Na varanda de casa, Sajaan acende um cigarro atrás do outro enquanto observa o movimento da vizinhança. "Seria legal se você parasse de fumar", lembra Ila em uma das carinhosas cartas. Parecem migalhas que, para aquele homem tão traumatizado - um viúvo a caminho do ocaso de sua existência -, serão tudo.

Em alguma medida, é possível afirmar que esse romance epistolar dos tempos modernos funciona direitinho - ainda que, para o espectador, a ansiedade para um possível encontro só aumente a cada nova troca. Mas a obra do diretor Ritesh Batra (de Retrato do Amor, 2019) parece ter muito mais a ver com coincidências e com o compartilhamento de experiências do que necessariamente com o sonho de um grande amor. "Esquecemos as coisas que não temos a quem contar" comenta Sajaan a Ila em certa altura. Às vezes não precisamos muito para termos motivação para levantar da cama e prosseguir. Um afago, um carinho, o reconhecimento por algo, uma nova amizade ou um amor. Uma boa refeição com quem se gosta. Uma refeição enviada carinhosamente por quem se gosta. O filme não dará soluções óbvias ou fáceis como seria se essa fosse uma simples comédia romântica hollywoodiana. Melancólica e doce, sutil mas labiríntica, essa é daquelas experiências pequenas, mas que nos acompanham. Como se fosse um almoço gostoso demais. Tá no Mubi. É só saborear.


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