terça-feira, 27 de junho de 2023

Tesouros Cinéfilos - Sobre Meninos e Lobos (Mystic River)

De: Clint Eastwood. Com Sean Penn, Kevin Bacon, Tim Robbins, Marcia Gay Harden, Laura Linney e Laurence Fishburne. Drama / Suspense / Policial, EUA / Austrália, 2003, 139 minutos.

"Você já pensou em como uma pequena escolha pode mudar uma vida inteira? Ouvi dizer que a mãe de Hitler queria aborta-lo. No último minuto ela mudou de ideia. Entende o que quero dizer?" A pergunta feita por Jimmy Markum (Sean Penn) ao policial Sean Devine (Kevin Bacon), após uma das mais brutais sequências do clássico moderno Sobre Meninos e Lobos (Mystic River) é daquelas pra nos deixar no mínimo com uma pulguinha atrás da orelha. Quantas vezes já não pensamos em como certas atitudes nossas podem ter sido determinantes para que os fatos ocorressem desta ou daquela maneira? Quando Sean questiona a Jimmy o que, exatamente, ele está querendo afirmar, tem como resposta: "e se você ou eu tivéssemos entrado naquele carro em vez de Dave Boyle?" Essa, ao cabo, parece ser uma dúvida que acompanhará não apenas os protagonistas da obra dirigida por Clint Eastwood, mas também o espectador. As coisas poderiam ter sido diferentes?

A cena a que Jimmy se refere é vista ainda no começo do filme e se passa na juventude dos três meninos. O ano é 1975 e Jimmy, Sean e Dave estão jogando hóquei em uma rua isolada de um bairro de Boston. Após perderem a bola dentro de um bueiro, resolvem fazer uma galinhagem: escrever seus nomes com gravetos, em uma calçada recém concretada. É o instante em que surgem dois homens - supostamente policiais - que passam uma carraspana nos garotos. Pior do que isso: obrigam Dave a entrar no carro deles. Não demorará para que percebamos não se tratarem de agentes da lei e sim de sequestradores, que trancam o menino em um cafofo para cometer uma série de abusos sexuais. Após quatro dias Dave consegue fugir. Mas como levar uma vida de normalidade, depois de um trauma tão violento? A história salta no tempo, para 25 anos no futuro. Onde um novo evento, no caso um assassinato brutal de uma jovem de apenas 19 anos, fará com que suas vidas se cruzem novamente.


Resumir um filme como Sobre Meninos e Lobos em meia dúzia de palavras é complicado porque se trata de uma experiência muito completa, muito bem costurada. Muito rica do ponto de vista do suspense policial e do drama familiar - aqui, adaptado do livro de Dennis Lehane que, dizem, é ainda melhor (não li). Amadurecer em um contexto de violência é chegar na vida adulta com uma série de abalos emocionais que parecerão estar eternamente incrustados no inconsciente. Dave, por exemplo, tenta levar uma vida mais ou menos normal - é um operário casado com Celeste (Marcia Gay Harden) e tem um filho pequeno. Só que em certa madrugada chega em casa com as mãos ensanguentadas e ferido nas mãos e no peito. Desesperado, explica pra esposa que teria escapado de um assaltante, com quem entrou em luta corporal. Só que quando amanhece o dia há um novo problema: na mesma madrugada a filha de Jimmy, Katie (Emmy Rossum) é assassinada. Katie estava em um bar com as amigas na noite anterior. Dave estava no mesmo local. As coisas poderiam ser diferentes?

Sean entra em cena como um detetive do Estado que investigará o crime. E tentará montar o quebra-cabeças que envolve todos eles. Em meio a isso Jimmy está naturalmente furioso - e, como ex-presidiário com um pé na criminalidade, destaca alguns parceiros meio barra pesada para uma investigação paralela. Que os levará ao jovem Brendan (Tom Guiry), um candidato a namorado de Katie, com quem a jovem pretendia fugir dali. Parece tudo meio complexo e, de fato, são muitos os personagens. Mas a adaptação foi tão bem sucedida que não apenas receberia uma série de indicações ao Oscar de 2004, como ainda faturaria o prêmio nas categorias Ator (Penn), Ator Coadjuvante (Robbins) - e isso num ano em que a Academia só tinha olhos para Senhor dos Aneis: O Retorno do Rei (2003). Tenso, revoltante e surpreendente (o final é daqueles pra explodir o cérebro), a obra ainda nos lembra o tempo todo de que a sanha punitivista e o senso de justiça a qualquer preço podem gerar equívocos irreparáveis. Méritos de Clint Eastwood, em mais uma grande produção sob seu comando.


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