terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Novidades no Now/VOD - Mank (Mank)

De: David Fincher. Com Gary Oldman, Charles Dance, Amanda Seyfried, Tuppence Middleton e Lily Collins. Drama, EUA, 2020, 131 minutos.

De clássicos como Crepúsculo dos Deuses (1950) e Cantando na Chuva (1950) a obras recentes como Ave, César! (2016) não foram poucos os filmes que utilizaram a metalinguagem como recurso narrativo. Aliás, Hollywood parece gostar de falar de si própria - de seus tumultuados bastidores, da iconoclastia latente de astros e estrelas - e, no fim das contas, quem se deleita é o espectador. Que pode conhecer mais sobre certa época, que envolve desde os movimentos feitos pela indústria até chegar ao contexto político, social e cultural daquele período. No caso de Mank (Mank), obra mais recente do David Fincher (de Seven: Os Sete Crimes Capitais e Clube da Luta), a gente viaja no tempo para as décadas de 30 e 40 - mais especificamente para a época em que o clássico Cidadão Kane (1942) foi gestado. Centrada na figura de Herman Mankiewicz (Gary Oldman, que deverá estar entre os indicados ao Oscar), a história narra o desenrolar tumultuado do roteiro que viria a ser filmado por Orson Welles (Tom Burke), especialmente pelo fato de Mank ser um beberrão hedonista, que não se dobra facilmente aos "caprichos" de produtores, empresários, colunistas e outros figurões da época.

Aliás, de alguma forma, a obra de Fincher presta tributo aos roteiristas - figuras muitas vezes abnegadas, mas centrais no desenvolvimento de qualquer filme. Especialmente no que diz respeito aos roteiros originais - e não é por acaso que esta é uma das minhas categorias preferidas no Oscar. Mank era um desses roteiristas bastante requisitados na Hollywood dos anos 30 - havia feito por exemplo O Mágico de Oz (1939). Mas seu comportamento errático, que questionava o status quo e as políticas adotadas pela indústria, o colocava sempre em pé de guerra com aqueles que, ao cabo, despejavam o dinheiro nas produções esperando, evidentemente, algum retorno - caso por exemplo do executivo da MGM Louis B. Mayer (Arliss Howard) e do próprio magnata da mídia William Randolph Hearst (Charles Dance) - que viria a ser a inspiração para a criação de Charles Foster Kane. Com uma série de idas e vindas no tempo a narrativa estabelece a relação entre Mank, Hearst e a esposa do segundo, Marion Davies (Amanda Seyfried, que realiza uma ótima composição da "atriz de época").

E por mais que, eventualmente, a história possa parecer um pouco confusa pra quem não está tão ambientado aos nomes daquele período - e existem uma série de livros, artigos e documentários que dissecam os bastidores de Cidadão Kane -, a obra estabelece uma organização ao colocar Mank e Hearst em espectros políticos e ideológicos distintos, a partir de episódios que marcaram as eleições para governador na Califórnia, em 1934. Ao seu posicionar abertamente a favor do democrata Upton Sinclair - escritor de novelas como Petróleo! (base para o filme Sangue Negro) -, Mank se torna uma espécie de "persona non grata" daquele universo. O que fica mais amplamente comprovado pela longa cena do jantar na mansão de Meyer, em que os debates políticos se sucedem com Mank defendendo, assim como Sinclair, uma política reformista de igualdade social, ao passo que Hearst, Meyer e muitos outros se posicionam a favor do republicano Frank Merriam. E esse contexto de contrastes - reflexo da Grande Depressão decorrente de 1929 -, é apresentado de forma muito envolvente, como no caso da sequência em que Mayer negocia, com seus empregados, a necessidade de baixar salários para enfrentar a crise.

Assim, a meu ver, esses episódios conferem um tanto a mais de força à narrativa, não sendo a criação de Cidadão Kane apenas um exercício ególatra e de ataque pessoal - por mais que Mank fosse uma figura controversa. Aliás, charmosamente controversa. Havia algo maior, quase um tipo de idealismo idílico, que movia o protagonista, em meio a doses cavalares de bebida e de muita paciência de sua compreensiva esposa Sara (Tuppence Middleton). Sim, a paranoia comunista já existia com toda a força. E, pasme, Hearst talvez tenha concebido, já naquela época, a primeira grande campanha de fake news que se tem conhecimento. A forma de lutar contra isso? O cinema, claro. Com grandes chances no Oscar nas principais categorias, Mank também é um belo exercício de técnica (especialmente no que diz respeito ao som todo gravado em mono). Já o desenho de produção recria o período de forma orgânica, levando o espectador a "circular" por sets de filmagem, por festas luxuosas e por gabinetes elegantes, em meio a figurinos de cair o queixo - e podem anotar que todos esses esforços, somados à trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross e ao roteiro de Jack Fincher (pai de David), muito provavelmente serão recompensados com indicações ao Oscar. De forma merecida, por sinal.

Nota: 8,5

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